Comentando 9 filmes clássicos de Kieslowski, incluindo a 'Trilogia das Cores'!

Comentando 9 filmes clássicos de Kieslowski, incluindo a 'Trilogia das Cores'! - Marcos Doniseti!

O polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996) foi um dos grandes cineastas da história e criou uma obra bela, inovadora e monumental. 

O canal pago Telecine Cult irá exibir, neste Sábado (28/11), 9 filmes do grande e genial cineasta polonês Krzysztof Kieslowski, que faleceu precocemente, aos 54 anos, em 13 de Março de 1996.

Essa 'Maratona Kieslowski' inclui filmes que vão desde o início da sua carreira, começando com o 'Blizna' (A Cicatriz; 1976), que foi o seu primeiro longa-metragem para o Cinema (antes ele tinha realizado um filme para TV, o 'Personel', de 1975), e chega até à 'Trilogia das Cores', que será exibida na íntegra. 

Abaixo, relaciono os filmes que serão exibidos e escrevo uma pequena sinopse sobre os mesmos:

1 - Blizna (A Cicatriz; 1976)!

Um funcionário íntegro e honesto do Partido Comunista, Stefan Bednarz (interpretado por Franciszek Pieczka), recebe do governo a missão de viabilizar a construção de uma indústria química em sua cidade natal. 

Porém, ao chegar à cidade ele se defronta com fatos e pessoas do seu passado, trazendo os mesmos à tona novamente, e ainda enfrenta a resistência da população da cidade, que faz críticas aos planos do governo de construir a indústria.

Bednarz está convencido de que o projeto será altamente benéfico para a população da cidade, mas as pessoas duvidam do que ele diz e fazem inúmeras críticas a um projeto que será bastante poluente e que irá destruir com parte da vegetação da região. 

Assim, no filme Kieslowski reflete criticamente sobre a maneira como o Partido Comunista tomava as decisões, sem consultar a população, por mais bem intencionados que alguns dos seus dirigentes estivessem.

Cena de 'Blizna' (A Cicatriz; 1976).

2 - Amator (Amador; 1979)!

Um empregado, Filip Mosz, de uma indústria compra uma pequena filmadora e, com a ajuda dos seus amigos, começa a produzir pequenos documentários sobre o seu local de trabalho e sobre os seus vizinhos. 

O gerente da fábrica em que ele trabalha se interessa por isso e pede que ele faça um pequeno filme sobre uma cerimônia que irá se realizar no lugar. Ele acaba sendo convidado para participar de uma pequena competição, onde o seu filme acabará sendo premiado. 

Assim, ele se apaixona pela arte do Cinema e decide levar a sério o seu trabalho como cineasta, mas irá se deparar com os limites impostos pelo governo. Este é um filme que reflete sobre a própria arte cinematográfica. 

E 'Amador' também é um filme claramente autobiográfico de Kieslowski, que também começou realizando documentários sobre a vida dos trabalhadores e das pessoas comuns. Posteriormente, ele passou a realizar obras ficcionais, mas com a presença de elementos dos documentários que realizava anteriormente. 

Cena de 'Amator' (Amador; 1979). 

3 - Przypadek (Sorte Cega; 1981)!

Este filme foi realizado em 1981, mas acabou sendo censurado em função do Golpe de Estado que ocorreu em Dezembro daquele ano, que colocou o 'Solidariedade' na ilegalidade, resultando na prisão de milhares de ativistas. 

Desta maneira, o filme somente foi liberado para exibição em 1987 e, em função disso, até o IMDB credita o ano de 1987 como o ano de produção do filme, mas isso está errado. 

Assim, a produção do filme é anterior ao Golpe de Dezembro de 1981 e o mesmo foi realizado em um momento no qual o sindicato 'Solidariedade' estava desfrutando de ampla liberdade de ação. 

Neste contexto, Kieslowski conta 3 histórias diferentes, com o mesmo protagonista, um jovem médico (Witek), sendo que cada uma delas tem um início muito semelhante e um final diferente. 

Na primeira história, Witek tenta pegar um trem na estação, quase perde o mesmo, mas consegue subir. Logo depois ele conhece um veterano dirigente, aposentado, do Partido Comunista (Werner), de quem se torna amigo e que o apresenta a um importante funcionário do mesmo (Adam). 

Com isso, Witek acaba se filiando ao PC. Depois ele reencontra um antigo amor da juventude (Czuszka) que participa de um movimento de oposição ao governo. Os integrantes do movimento acabam presos e o culpam por isso. Ele tem uma viagem marcada para o exterior, mas as greves se espalham pelo país e ele fica preso na Polônia.  

Na segunda história, ele não consegue subir no trem, briga com o segurança da estação, é preso e condenado a prestar serviços comunitários. Durante esse período ele conhece membros de um movimento de oposição ao governo e acaba entrando para o mesmo. 

Witek se converte ao Catolicismo. A sua avó é uma comunista fiel, mas que acaba apoiando o movimento de oposição. E no fim ele fica na Polônia porque os movimentos grevistas estão se espalhando pelo país. 

E na terceira história, Witek é uma pessoa inteiramente despolitizada, que se casa, tem filho e se preocupa apenas com a sua carreira de médico, mas que acaba se envolvendo ao ajudar um médico cujo filho foi preso por se envolver com um movimento contrário ao governo. 

Para cada escolha que ele faz em sua vida, e mesmo que não queira, Witek acaba se envolvendo, de alguma forma, nas lutas políticas e sociais do país. E em cada história nós temos um final levemente diferente. 

Cena de 'Przypadek' (Sorte Cega; 1981).

4 - Bez Konca (Sem Fim; 1985)!

Apesar do Telecine Cult ter programado o ''Bez Konca'/Sem Fim' (1985) para ser exibido antes do 'Przypadek'/'Sorte Cega' (1981), ele é uma produção posterior (ver o 'Esclarecimento' logo abaixo).

O filme mostra uma Polônia sob lei marcial, que passou a vigorar no final de 1981 e, logo, o clima dele é lúgubre, triste e melancólico. Na época em que Kieslowski o realizou, milhares de ativistas do 'Solidariedade', que chegou a reunir 10 milhões de pessoas, se encontravam na prisão. 

A história gira em torno de um advogado (Antek) que falece logo no começo do filme, de ataque cardíaco, e que defendia pessoas perseguidas politicamente pelo governo do país, o que a sua bela esposa (Urszula) desconhecia. 

Após a sua morte, Urszula é procurada pela mulher (Joanna) de um operário (Darek) que estava sendo defendido por Antek. Darek havia participado da organização de greves, que foram consideradas ilegais, na indústria em que trabalhava e, por isso, o governo o estava processando. 

Urszula procura por Labrador, advogado com o qual o seu marido trabalhava, e o mesmo assume a defesa de Darek. Mas uma série de conflitos entre os dois (Labrador e Darek) irá acontecer e os mesmos estão diretamente relacionados com a maneira pela qual os poloneses deveriam enfrentar o regime do Partido Comunista: Partir para o confronto direto, desafiando o 'regime comunista' (como defendia Darek), ou adotar uma postura mais flexível, tentando chegar a algum tipo de acordo com o governo, como desejava Labrador? 

Cena de 'Bez Konca' (Sem Fim; 1985).

5 - Krótki film o milosci (Não Amarás; 1988)!

Este filme é uma versão mais longa de uma produção para a TV que Kieslowski produziu como parte da sua monumental obra que é o 'Decálogo', baseado nos 10 mandamentos, que o consagrou internacionalmente. 

Para cada mandamento, Kieslowski fez um média-metragem de cerca de 57 minutos de duração, no qual ele se indagava se as pessoas do mundo contemporâneo seriam capazes de viver conforme os mandamentos divinos.  

Dois destes filmes para TV foram transformados em longas-metragens, com cerca de 30 minutos a mais cada um, que foram 'Não Amarás' e 'Não Matarás'. 

A história do filme gira em torno de um jovem voyeur, que se chama Tomek, que espiona uma bela mulher (Magda) que mora em um edifício de apartamentos localizado em frente ao seu. Ele trabalha na agência local dos Correios e envia falsos avisos de que ela teria dinheiro para receber. 

Mas isso a acaba irritando e Tomek confessa que foi ele o responsável por isso e também lhe diz que a espiona todas as noites, usando de uma luneta. Mais alguém pensou em 'Janela Indiscreta', o clássico de Hitchcock?  

Inicialmente, Magda se assusta com o comportamento de Tomek, mas ela acabará lhe dando uma chance de sair com ela. Porém, a bela Magda acabará se revelando uma mulher bem diferente daquela que ele, Tomek, havia idealizado, fazendo com que ele tome decisões drásticas. 

Cena de 'Krótki film o milosci' ('Não Amarás'; 1988).

6 - La double vie de Véronique (A Dupla Vida de Véronique; 1991)!

Este foi o primeiro filme dirigido por Kieslowski na França, para onde foi trabalhar a convite do produtor Marin Karmitz, francês naturalizado, de origem romena, e que se especializou em produzir filmes de cineastas autorais. 

As protagonistas do filme são, de fato, duas mulheres, interpretadas pela mesma atriz, a jovem, talentosa e bela Irène Jacob. Ela interpreta uma jovem francesa, chamada Véronique, e uma jovem polonesa, chamada Weronika. 

As duas são bonitas, talentosas e possuem um problema de saúde semelhante, de natureza cardíaca, e estão vivendo um romance com homens que também sentem o mesmo por ela. Logo, fica claro que existe uma conexão entre as duas, mesmo que elas jamais tenham se conhecido. No entanto, ambas vivem como se sentissem a presença da outra.

Desta maneira, Kieslowski procura demonstrar que as pessoas estão conectadas de uma forma que elas mesmas não compreendem. 

Cena de 'La Double Vie de Véronique' (A Dupla Vida de Veronique; 1991).

7 - Trois Couleurs: Blue (A Liberdade é Azul; 1993)!

Este belíssimo filme inaugurou uma das trilogias mais espetaculares da história do cinema mundial. Poucas vezes o Cinema atingiu tal nível de beleza,, sensibilidade e profundidade, ao mesmo tempo. A fotografia, a trilha sonora, as cores, o clima triste e melancólico da história, tudo se encaixa perfeitamente. E no fim sempre temos uma mensagem de esperança, mesmo que leve e sutil. 

É como se o Kieslowski soubesse que os seres humanos são limitados, volúveis e não confiáveis, possuindo inúmeras deficiências de caráter e que a vida não é justa com as pessoas, mesmo com aquelas que tentam ser boas com os demais. Porém, mesmo assim, Kieslowski ainda procura demonstrar um sentimento de que poderemos mudar e de que nos tornaremos pessoas melhores. 

A protagonista do filme é Julie, interpretada por Juliette Binoche, mulher casada e feliz que passa a sofrer intensamente devido à morte do marido e da filha em um acidente de automóvel. 

Em função disso, ela toma a decisão de se afastar de tudo e de todos, cortando todos os laços com as pessoas, dizendo que os relacionamentos com os outros (familiares, amigos...) não passam de truques e que o resultado final de tudo é o sofrimento. 

A única lembrança que Julie guarda da sua vida anterior é um belo lustre azul. E o mesmo terá uma função importante no filme, pois dará para Julie a oportunidade de conhecer e de se aproximar de outra pessoa, que é a jovem prostituta Lucille.  

O marido de Julie era um músico que estava compondo o hino da integração europeia, mas que ele não teve tempo de finalizar. Ela fará isso, depois, com a ajuda de um amigo, Olivier, que sempre foi apaixonado por Julie. 

Depois da morte do marido, Julie também passa a descobrir alguns segredos desagradáveis sobre o mesmo, levando-a a perceber que ele era um homem diferente do que ela pensava. 

E a entrada de Lucille em sua vida será fundamental, pois irá fazer com que ela passe a refletir sobre essa tentativa de cortar laços com as pessoas e de não se envolver nas vidas delas, isolando-se totalmente de tudo e de todos. 

Cena de 'Trois Couleurs: Bleu' (A Liberdade é Azul; 1993).

8 - Trois Couleurs: Blanc (A Igualdade é Branca; 1993)!

Este segundo filme da Trilogia das Cores é tido, por muitos, como sendo o 'mais fraco', o que eu considero uma injustiça, pois ele também é um filme belíssimo.

A história gira em torno de um polonês, Karol Karol, que foi abandonado por sua belíssima esposa francesa, Dominique, que é interpretada pela maravilhosa e lindíssima Julie Delpy. 

A razão do fim do casamento deles é que Karol Karol não conseguia satisfazer Dominique sexualmente. Ele até tentava, mas nunca a fazia feliz. Depois de muito tentar, ela se cansa do marido, pede o divórcio e começa a se envolver com outros homens.

Karol Karol não aceita essa decisão de Dominique e, durante uma noite em que dormia no banco de uma estação de metrô, próximo do apartamento no qual Dominique vivia, ele encontra um outro polonês, Mikolaj, de quem ele acaba se tornando um grande amigo. 

Mikolaj está voltando para a Polônia e ajuda Karol Karol a retornar com ele, pois este não tem dinheiro suficiente para pagar a passagem. Na Polônia, em Varsóvia, Karol Karol e Mikolaj decidem se aproveitar das mudanças pelas quais o país está passando e, com a adoção das reformas econômicas capitalistas, de livre mercado.

A belíssima Julie Delpy interpreta Dominique, a esposa francesa que arruinou a vida de Karol na França, mas que depois terá um destino semelhante na Polônia. Assim, criou-se uma situação de igualdade entre os dois que, daí, puderam ficar juntos e serem felizes.

Daí, ambos se unem e decidem dar um golpe para conseguir enriquecer rapidamente, comprando terras em locais afastados por um baixo valor e revendendo as mesmas, posteriormente, por um valor muito maior. 

Karol Karol faz isso na esperança de que o seu enriquecimento fará com que ele possa mostrar para a bela Dominique de que ele não é um fracassado e, assim, ele poderá reconquistar a sua ex-esposa, ao mesmo tempo em que pensa em uma maneira de se 'vingar' dela. 

Porém, essa 'vingança' tem um objetivo bem claro, que é o de criar uma situação de igualdade entre ambos, pois quando ele viveu com ela na França, a bela Dominique arruinou a vida dele, Karol, e agora ele fez o mesmo com ela na Polônia. Eles sentiram na própria pele o que cada um fez ao outro, souberam perdoar e, assim, puderam ficar juntos e serem felizes novamente.

Assim, tal como veremos na cena final de 'A Fraternidade é Vermelha', Karol e Dominique estão juntos e até viajam para a Inglaterra. Alguém poderia perguntar: Afinal, como isso teria acontecido se a lindíssima Dominique estava presa no final de 'A Igualdade é Branca'?  

Entendo que a resposta é simples: No filme, vemos que a Polônia tornou-se uma espécie de terra onde golpes e corrupção se tornaram comuns. Assim, Karol pode ter usado o imenso volume de dinheiro que ganhou para subornar as autoridades policiais a fim de conseguir a libertação de Dominique. 

Isso explica porque os vemos juntos no navio em 'A Fraternidade é Vermelha'.

Cena de 'Trois Couleurs: Blanc' (A Igualdade é Branca; 1994).

9 - Trois Couleurs: Rouge (A Fratenidade é Vermelha; 1994)!

Este é, para muitos, o melhor filme da fantástica 'Trilogia das Cores', sendo que o mesmo chegou a ser indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro de 1995, bem como a melhor roteiro, diretor e fotografia no Oscar do mesmo ano. 

Depois deste belíssimo filme, Kieslowski disse que a sua carreira estava encerrada e, de fato, ele não filmou mais. Porém, quando estava disposto a mudar de ideia, acabou falecendo precocemente, com apenas 54 anos, em 13 de Março de 1996.

A história do filme se desenvolve em torno de uma jovem modelo, chamada Valentine (interpretada por Irène Jacob, em seu segundo filme com Kieslowski), que conhece um juiz aposentado, que é interpretado pelo grande Jean-Louis Trintignant. 

Valentine atropela uma cachorra (que se chama Rita) e, ao ver o endereço que estava anotado na mesma, decide cuidar dela e, depois, devolve-a para o dono, que é o juiz aposentado. 

Na residência do juiz, ela descobre que o mesmo usa um equipamento de escuta, que lhe permite ouvir as conversas telefônicas dos vizinhos, descobrindo que um deles é traficante de drogas, e que o marido de uma das mulheres do lugar está sendo traída pelo mesmo. O juiz afirma que faz isso porque ele quer demonstrar que as pessoas são desonestas. Logo, ele é alguém que já perdeu a fé na humanidade.

Valentine se sente enojada com o que ele faz e lhe diz isso, o que o leva a confessar o que estava fazendo para a polícia. Com isso, os seus vizinhos decidem abrir um processo contra o mesmo.

Depois disso, o relacionamento de Valentine e do juiz vai se tornando cada vez mais próximo, tornando-se ótimos amigos, e ela descobre que a razão que o levou a agir desta maneira é que, muitos anos antes, ele foi traído pela noiva, pela qual era apaixonado, motivo pelo qual perdeu a confiança nas pessoas, tornando-se alguém extremamente solitário. 

Cena de 'Trois Couleurs: Rouge' (A Fraternidade é Vermelha; 1994).

Conclusões!

Portanto, nos três filmes temos personagens que, em algum momento de suas vidas, cada um deles por um motivo distinto, acabaram se isolando e perdendo a fé nos outros, mas que continuaram as suas vidas.

Julie não teve coragem de cometer suicídio e decidiu se isolar do mundo, tentando se libertar das relações com os outros, mas não irá conseguir. Karol decide retornar à Polônia e reconstruir a sua vida, aproveitando-se do clima social e econômico criado pelas reformas neoliberais no país, que abriram espaço para que ele pudesse aplicar golpes imobiliários que lhe permitiram enriquecer rapidamente, sem muito esforço. 

E o juiz decidiu se isolar dos outros, enquanto espionava os seus vizinhos, pois estava convencido do caráter ruim das pessoas, devido ao fato dele ter sido traído pela mulher que amava em sua juventude. 

Esses personagens tentam superar o sofrimento que é provocado pela morte do marido e da filha (Julie em 'A Liberdade é Azul'), pelo abandono da esposa (Karol Karol em 'A Igualdade é Branca') e pela traição da noiva (o juiz aposentado em 'A Fraternidade é Vermelha'). 

Em cada um dos três filmes nós também temos um personagem que faz com que essas pessoas sofridas e desesperançadas pudessem continuar vivendo e, assim, tivessem como recuperar um pouco da confiança e da fé na vida que elas haviam perdido totalmente. 

Em 'A Liberdade é Azul' quem faz isso é a prostituta Lucille, no 'A Igualdade é Branca' esse personagem é o Mikolaj e no 'A Fraternidade é Vermelha' é a modelo Valentine. São eles que irão mostrar que existem boas pessoas no mundo e que vale a pena acreditar na humanidade. 

Na Trilogia das Cores também vemos um outro conceito de Tempo que é mostrado por Kieslowski, pois em vários momentos temos a impressão de que a história que o juiz aposentado conta, sobre a traição que sofreu por parte de sua noiva há várias décadas, está acontecendo naquele exato instante, mas com outro personagem, como se este estivesse vivendo a história do juiz. 

É como se Passado, Presente e Futuro fossem simultâneos. Essa afirmação é reforçada pela cena final da Trilogia das Cores, em um barco. 

E um outro elemento que está presente na Trilogia das Cores é que os três filmes terminam com uma pequena mensagem de esperança por parte de Kieslowski.

Imperdível.

'Trilogia das Cores': A obra-prima de Kieslowski. 

Esclarecimento sobre 'Sorte Cega' (1981) e 'Sem Fim' (1985)!

O Telecine Cult irá, claramente, exibir os filmes com base nos anos de produção de cada um, respeitando a sequência em que eles foram realizados.

Porém, o canal exibirá o 'Sem Fim' (1985) antes do 'Sorte Cega' (1981), pois o programador do canal provavelmente pensa que o 'Sorte Cega' é uma produção de 1987, que é, aliás, a informação que consta até mesmo no IMDB. 

Mas isso está errado. Na verdade, o 'Sorte Cega' foi realizado por Kieslowski em 1981 e, portanto, ele é anterior ao 'Sem Fim' (1985). Então, qual é a causa dessa confusão? Isso está relacionado com a história da Polônia.

Em Dezembro de 1981 ocorreu um Golpe de Estado no país, que se tornou um regime muito mais autoritário e que passou a ser comandado por um general (Wojciech Jaruzelski). Aliás, quem não se lembra da música 'New Years Day', um clássico do U2? Pois ela trata justamente do Golpe de Estado que ocorreu na Polônia em Dezembro de 1981. 

Porém, como o 'Sorte Cega' (1981) era um filme bastante crítico com relação ao governo 'comunista' do país e previa a queda do mesmo, o filme acabou sendo censurado e somente foi liberado para exibição em 1987, quando começou o diálogo entre o governo e a oposição, que estava organizada no 'Solidariedade', liderado por Lech Walesa. Com isso, tivemos o início de um processo que iria resultar na redemocratização do país. 

Aliás, isso acabou acontecendo, com a realização de uma eleição democrática em Dezembro de 1990, que levou Lech Walesa à Presidência do país, concluindo a transição do país para uma Democracia Liberal.  

Então, provavelmente o programador do Telecine Cult não conhece a história da Polônia deste período e, em função disso, ele decidiu exibir o 'Sorte Cega', que é de 1981, depois do 'Sem Fim', que é de 1985, pois ele deve pensar que o 'Sorte Cega' é de 1987, mas isso está errado, pois o filme é de 1981. 

Logo, se é para respeitar a sequência em que os filmes foram produzidos, como o 'Telecine Cult' realmente parece desejar, então o correto seria exibir o 'Sorte Cega' (1981) antes do 'Sem Fim' (1985).

Cena de 'Przypadek' (Sorte Cega; 1981).

Além disso, entendo que respeitar a sequência em que os filmes foram produzidos também é fundamental para se compreender a obra de Kieslowski, pois todos os filmes que ele realizou na Polônia estavam intimamente relacionados com o contexto histórico, não sendo possível entender os mesmos sem conhecer os acontecimentos do período.

E isso transparece nas histórias e no próprio clima de cada filme. 

Assim, o 'Sorte Cega' (1981) é um filme que, claramente, dizia que o regime 'comunista' do país era impopular e apontava quais poderiam ser os caminhos que a Polônia poderia seguir quando o mesmo fosse derrubado. 

O filme foi realizado em um momento em que o sindicato 'Solidariedade' atuava com grande liberdade no país (promovendo greves, manifestações) e dialogava com o governo. 

Portanto, apesar de possuir um tom bastante crítico, no filme o grande e genial Kieslowski deixa claro que ele acreditava que a Polônia iria mudar e se tornaria um país bem melhor. O filme mostrava os problemas e impasses do país, mas apontava para um futuro de esperança.

Porém, com o Golpe de Estado que ocorreu em Dezembro de 1981, o novo governo tornou o 'Solidariedade' uma organização ilegal e prendeu milhares de ativistas. 

Assim, em função deste novo contexto, o 'Sem Fim' (1985) é um filme terrivelmente triste, lúgubre, melancólico, pois ele foi realizado na época em que a Polônia tinha se tornado uma Ditadura Militar, liderada pelo general Wojciech Jaruzelski. 

Somente no ano seguinte (1986) é que o clima político do país começou a melhorar, com o governo anistiando os prisioneiros políticos, e em 1987 o governo polonês passou a dialogar com a oposição, dando início a um processo de redemocratização que foi concluído em 1990, com a eleição de Lech Walesa para Presidente da Polônia. 

Cena de 'Bez Konca' (Sem Fim; 1985). 

Cotação da Maratona: Imperdível. 

Link:

Trechos dos 3 filmes da Trilogia das Cores:

 https://www.youtube.com/watch?v=5Mthp68xaDc