Godard: 13 Histórias curiosas sobre o cineasta que revolucionou a Sétima Arte!
Godard: 13 Histórias curiosas sobre o cineasta que revolucionou a Sétima Arte! - Marcos Doniseti!
1 - Truffaut, Chabrol e o falso roteiro de 'Acossado'!
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Godard, Suzanne Schiffman (roteirista de vários filmes de Truffaut) e François Truffaut durante as filmagens de 'Fahrenheit 451' (1966), que foram realizadas na Inglaterra, nos Pinewood Studios. |
Para viabilizar a produção e promover o seu primeiro longa-metragem, o clássico e divisor de águas da história do Cinema que foi 'Acossado' (1959), Jean-Luc Godard e o jovem produtor do filme, de 39 anos, Georges de Beuaregard, divulgaram ao público que o roteiro do filme havia sido escrito por Truffaut e que Chabrol seria consultor técnico do filme, que estaria presente nas filmagens, orientando Godard.
Na verdade nada disso aconteceu. Nem o Truffaut escreveu roteiro algum e tampouco Chabrol foi consultor de nada.
A história verdadeira é a seguinte:
Truffaut havia conquistado o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1959 com 'Os Incompreendidos' (1959), e Claude Chabrol vinha de dois filmes de muito sucesso, de público e de crítica, que foram 'Nas Garras do Vício' (1958) e 'Os Primos' (1959).
Truffaut escreveu uma sinopse, a pedido de Godard, que tinha apenas 4 páginas e que, depois, Godard usou como base para ir escrevendo as cenas e diálogos do filme. Porém, promoveu inúmeras mudanças (de personagens, história, etc) na tal sinopse. E Chabrol disse que, no máximo, apareceu 2 vezes durante as filmagens de 'Acossado'.
Na verdade, essas foram duas mentiras inventadas para poder convencer um distribuidor francês (René Pignères) a financiar o filme de Godard. Esse distribuidor queria exibir um filme 'Nouvelle Vague', pois os filmes de Chabrol e Truffaut haviam feito muito sucesso, gerando grandes lucros, e ele pensava em bancar um filme de algum cineasta da 'Nouvelle Vague' que também fizesse bastante sucesso.
Assim, Georges de Beauregard ficou sabendo disso e o procurou para convencê-lo a financiar o longa-metragem de estreia de Godard, pois ele, Beauregard, estava muito endividado, virtualmente falido, sem condições investir um centavo sequer na produção de 'À Bout de Souffle'.
No entanto, embora René Pignères também desejasse ter um filme 'Nouvelle Vague' de sucesso em seu catálogo, ele estava muito receoso de financiar o filme de Godard, pois este havia apenas realizado um documentário '('Opération Béton') e alguns curtas anteriormente, que foram 'Une Femme Coquette', 'Charlotte et Veronique' (1957), 'Une Histoire d'Eau' (1958) e 'Charlotte et son Jules' (1958).
Logo, 'Acossado' seria o primeiro longa-metragem do jovem e brilhante crítico da 'Cahiers du Cinéma'.
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Livro de Michel Marie conta a história da Nouvelle Vague e analisa de forma detalhada ao clássico "À Bout de Souffle'. |
Então, para dar ao distribuidor a garantia de que o filme de Godard seria um sucesso, Godard e o produtor Georges de Beauregard inventaram essa história de que Truffaut havia escrito o roteiro do filme e que Chabrol seria o consultor técnico do mesmo. E essas informações foram colocadas nos cartazes de divulgação do filme.
Nada disso era verdade, mas o importante é que, nestas condições, o distribuidor concordou em financiar 'Acossado', que se tornou um grande sucesso e lhe proporcionou muitos lucros. Assim, ele conseguiu o seu filme 'Nouvelle Vague' de sucesso.
Quanto ao roteiro de 'Acossado', Godard pediu a um amigo que escrevesse o mesmo e o enviasse para que fosse aprovado pelo CNC (Centro Nacional de Cinematografia), que era o órgão do governo francês que regulava o funcionamento do cinema do país e autorizava a realização dos filmes.
Mas a história que Godard filmou não tinha nada a ver com esse 'roteiro', inteiramente falso, que foi feito apenas para obter a aprovação do CNC para que o filme pudesse ser realizado. Era apenas um roteiro para 'burocrata do CNC ver'. Mais nada...
Na verdade, Godard escrevia as cenas e os diálogos de 'Acossado' durante o seu longo café da manhã e, depois, filmava tudo no período da tarde, sendo que também improvisava bastante no momento em que as filmagens estavam acontecendo. Ele também estimulava os atores e atrizes a improvisar.
Jean-Paul Belmondo gostou muito disso, pois adorava improvisar, mas a belíssima Jean Seberg estranhou bastante os métodos incomuns de trabalhar de Godard.
Logo, nunca existiu um 'roteiro', de fato, para 'Acossado' e tudo era filmado conforme Godard escrevia as cenas e diálogos no próprio dia das filmagens, entregando as mesmas para os atores e atrizes faltando pouco tempo para filmar.
Aliás, esse método incomum de trabalho de Godard deixou Jean-Paul Belmondo e, principalmente, Jean Seberg inteiramente perplexos, é claro. A agente de Belmondo vivia dizendo para que ele abandonasse as filmagens, pois o filme seria um gigantesco fracasso e, assim, ele nunca mais seria convidado a trabalhar em cinema.
Mas ela se enganou totalmente e o filme transformou Belmondo em uma grande estrela do cinema francês, passando a ser bastante requisitado pelos principais diretores europeus. E já em 1960 ele foi filmar 'La Ciociara', com Vittorio de Sica e Sophia Loren na Itália.
2 - Jean Seberg e seu arrependimento por participar de 'Acossado'!
A belíssima Jean Dorothy Seberg tinha apenas 20 anos quando foi, junto com Jean-Paul Belmondo, a protagonista do revolucionário 'À Bout de Souffle'.
Porém, ela já era conhecida no mundo inteiro antes de 'Acossado', devido à maciça campanha publicitária que havia sido realizada para o seu primeiro filme, que foi 'Saint Joan' (1957), sobre a heroína francesa Joana D'Arc, que foi dirigido por Otto Preminger, austríaco que era um dos principais cineastas de Hollywood.
Jean Seberg havia sido selecionada para estrelar o filme depois de competir com 18 mil candidatas. A intenção de Preminger era transformar Jean Seberg em uma jovem estrela de grande sucesso.
Porém, o filme fracassou comercialmente e o mesmo aconteceu, depois, com o segundo longa-metragem que fez com Preminger, o 'Bon Jour Tristesse' (1958), baseado em um livro da escritora francesa Françoise Sagan.
Jean Seberg ainda estrelou uma pequena produção, que foi a comédia 'O Rato que Ruge', mas a campanha para transformar a inexperiente e muito jovem atriz em uma estrela não deu certo, embora ela tivesse se tornado famosa no mundo inteiro.
Assim, quando Godard a contratou para participar de 'Acossado', Jean Seberg tinha sido meio que deixada de lado pela Columbia, que não sabia mais o que fazer com ela.
Assim, depois de muito insistir, Godard conseguiu a liberação de Jean Seberg, pagando US$ 12 mil dólares para a Columbia, que a tinha sob contrato, sendo que contou com a ajuda do marido dela, um advogado francês (François Moreuil), neste sentido. Em função desse casamento, ela também estava morando em Paris nesta época.
E quando as filmagens começaram, Jean Seberg ficou perplexa com os métodos incomuns de trabalho de Godard, que incluíam uma equipe bastante reduzida de profissionais e bastante improvisação, enquanto que em Hollywood as grandes produções contam com centenas de profissionais e tudo é planejado previamente nos mínimos detalhes.
Isso convenceu Jean Seberg de que o filme de Godard era 'amador' e que o cineasta era completamente maluco, não tinha a menor ideia do que estava fazendo e que o filme iria ser um fracasso total. Aliás, Belmondo também compartilhava da avaliação de Seberg, mas os dois chegaram à mesma conclusão, de que o correto seria cumprir o contrato que haviam assinado.
Porém, ambos se enganaram totalmente e o filme foi um grande sucesso, transformando os dois em estrelas do cinema mundial. Godard conseguiu transformar Jean Seberg em uma grande estrela, o que nem a grande máquina de Hollywood havia alcançado.
3 - As filmagens de 'Acossado' e o almoço que quase terminou em briga generalizada!
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Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg e Godard no quarto 12 do Hotel Suede, em Paris, durante as filmagens da cena central de 'À Bout de Souffle'. |
Godard, como já foi afirmado aqui, escrevia as cenas e diálogos de 'Acossado' durante o período da manhã e as filmava durante a tarde. Mas, quando estava 'sem ideias' sobre o que fazer em um determinado dia, Godard dispensava todos que trabalhavam no filme. Em um destes dias, ele convidou todos os membros da equipe, para ir até um restaurante, a fim de almoçar.
De alguma maneira, o produtor do filme, Georges de Beauregard, ficou sabendo do fato e foi até o local, encontrando todos no restaurante, em vez de estarem filmando. Beuaregard ficou fulo da vida e tentou agredir Godard, que o encarou, mas foi contido pela 'turma do deixa disso', principalmente por Raoul Coutard.
Depois do incidente, Beauregard escreveu um memorando, no qual proibiu que essas dispensas de trabalho, por Godard, voltassem a acontecer, caso contrário o filme seria cancelado. Depois disso, Godard trabalhou direitinho e as filmagens foram encerradas com apenas 21 dias úteis de trabalho, terminando no dia 19 de Setembro de 1959.
4 - 'Falem bem, falem mal, mas falem de 'Acossado'!
Antes de filmar 'Acossado', Godard trabalhou durante um tempo como relações públicas da Fox na França, substituindo Chabrol, que o indicou para o cargo. Assim, ele fez amizade com inúmeros jornalistas e críticos de cinema e cultura do país.
As filmagens de 'Acossado' haviam terminado em 19/09/1959 e o filme foi lançado apenas em 16/03/1960. O longo período de tempo se deveu à montagem do filme, que foi revolucionária, e também porque Godard montou uma bem sucedida estratégia para promover o filme.
Assim, quando Godard estava, ainda, na fase de fazer a montagem de 'Acossado', ele se utilizou dessa rede de conhecidos e amigos da imprensa para criar uma campanha de marketing extremamente eficiente para criar uma grande expectativa sobre o filme.
Desta maneira, Godard estimulava esses jornalistas a estar sempre escrevendo sobre o filme, fosse para elogiar ('é o melhor filme do ano', 'é o melhor filme desde Cidadão Kane'), fosse para criticar ('o filme é uma porcaria', 'é o pior filme do ano').
Portanto, Godard usou da estratégia do "Falem bem, falem mal, mas falem de Acossado" para promover o filme. E isso funcionou, pois o filme fez um grande sucesso na França e no mercado internacional, além de ter se tornado um dos mais influentes da história do cinema.
5 - O convite para Jean-Paul Belmondo participar de 'Charlotte et son Jules'!
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Godard, Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg nos bastidores de 'À Bout de Souffle'. |
Há uma história interessante sobre como foi que Godard convidou o jovem ator Jean-Paul Belmondo a participar de um curta-metragem, que foi 'Charlotte et son Jules' (1958).
Godard tinha assistido a um filme de Marc Allégret ('Um Drôle de Dimanche'), um cineasta da 'Old Vague' francesa, do cinema de 'tradição de qualidade', e embora tenha detestado o filme, ele gostou da atuação de Belmondo.
Daí, em certo dia, quando andava pelas proximidades da sede da 'Cahiers', Godard encontrou Belmondo e o convidou para que, no dia seguinte, fosse a um quarto de hotel, no qual Godard morava nesta época (1958) e o convidou para participar da filmagem de um curta-metragem, pelo qual Belmondo seria, é claro, remunerado por Godard.
Porém, Belmondo ficou desconfiado que a intenção de Godard era outra, ou seja, que o cineasta iria tentar algo 'sexual' com ele. Por isso, embora Belmondo tenha concordado em participar do curta, ele ficou desconfiado e não estava disposto a ir para o hotel.
Belmondo falou isso para a sua então esposa, que o convenceu a ir para o local da filmagem, dizendo que ele, Belmondo, era muito mais alto e mais forte do que Godard e que se o mesmo tentasse algo de natureza 'sexual', ele poderia dar uns socos em Godard, que era muito mais magro e franzino.
Além disso, a esposa disse a Belmondo que ele era boxeador amador e, portanto, poderia bater em Godard sem maiores problemas. Daí, Belmondo decidiu se arriscar e, no dia seguinte, Belmondo foi até o hotel e constatou que, de fato, Godard o havia convidado para filmar um curta-metragem, que foi o 'Charlotte et son Jules', e não para outras finalidades.
E depois que terminou a filmagem do curta, Godard avisou Belmondo que quando fosse dirigir o seu primeiro longa-metragem, então o convidaria para interpretar o protagonista do filme.
Belmondo não acreditou muito nessa história, mas a mesma se confirmou e quando se viabilizou a produção de 'Acossado', Godard convidou Belmondo para interpretar o protagonista do filme, Michel Poiccard, e que o transformou em uma grande estrela do cinema francês e europeu.
6 - Irmãos Hakim, Godard, o filme 'Eva' e Jeanne Moreau!
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Jeanne Moreau no filme 'Eva' (1962), de Joseph Losey. |
Em 1962 a atriz Jeanne Moreau foi procurada pelos irmãos Hakim (Robert e Raymond), dois produtores veteranos, que trabalhavam desde os anos 1930 (com cineastas como Jean Renoir e Marcel Carné), que queriam produzir um filme ('Eva') e pediram à mesma que indicasse um cineasta para dirigir a produção.
E a Jeanne Moreau indicou o Godard.
Assim, os irmãos foram conversar com Godard e chegaram a um acordo com o mesmo: Eles pagariam um adiantamento e Godard escreveria o rascunho de um roteiro para o filme.
O tempo foi passando, até que um mês depois os irmãos receberam uma carta com o rascunho que Godard havia escrito... O problema é que tal rascunho tinha apenas 1 página.
Os irmãos Hakim ficaram furiosos e foram reclamar com Jeanne Moreau, dizendo que Godard 'era louco e não passava de um vagabundo'. Daí, Moreau resolveu o problema com a indicação do cineasta Joseph Losey, que acabou dirigindo o filme.
7 - 'Made in USA': O filme que Godard fez para tirar Beauregard da falência!
Este foi um filme feito para tirar o produtor, e amigo de Godard, Georges de Beauregard da falência, pois este último tinha produzido vários filmes em sequência nos anos anteriores, mas os mesmos haviam fracassado e, assim, ele estava muito endividado, sem condições financeiras de pagar tais dívidas.
Para resolver o problema, ele procurou Godard, explicou a sua situação financeira desesperadora e pediu para que Godard fizesse, rapidamente, um filme que pudesse lhe proporcionar lucros suficientes para saldar tais dívidas, permitindo que voltasse a recomeçar a sua carreira de produto.
Beauregard disse, para o próprio Godard, que somente este poderia fazer um filme de maneira imediata, sem demora. Nenhum outro cineasta ligado à Nouvelle Vague teria condições de fazer algo assim, até porque os filmes de Godard sempre custavam pouco e também eram vendidos para exibição em dezenas de países.
Portanto, mesmo que o filme não fosse um grande sucesso comercial, ainda assim seria possível obter bons lucros com o mesmo. E como Godard era muito grato a Beauregard por este ter viabilizado a produção de 'Acossado', em 1959, é claro que ele concordou em realizar este filme para ajudar Beauregard.
Desta forma, Godard concordou em fazer o filme, procurando cortar drasticamente os custos de produção do mesmo, a fim de conseguir aumentar a sua lucratividade. Para isso, Godard convidou muitos amigos e conhecidos para trabalhar no filme, incluindo até alguns críticos da 'Cahiers du Cinéma' no elenco.
O filme em questão foi o 'Made in USA' (1966).
O filme é baseado em um livro policial, sendo que Godard decidiu não pagar os direitos autorais para o autor (Donald E. Westlake) a fim de poder economizar. O escritor entrou na Justiça nos EUA para proibir a exibição do filme no país. Somente três meses após a morte do escritor, em 2008, é que 'Made in USA' foi liberado para exibição nos EUA.
Porém, o filme tirou Beauregard da falência e ainda permitiu a Godard realizar toda uma discussão sobre o cenário político, eleitoral e ideológico da França naquele período.
8 - 'Une Femme Mariée': O filme que Godard fez em apenas um mês!
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Cena de 'Une Femme Mariée' (1964), com a belíssima Macha Méril interpretando uma mulher casada (Charlotte) que está na dúvida se continua com o marido ou se o abandona para ficar com o amante. |
Este é um belíssimo filme de Godard e que foi feito em tempo recorde: um mês. A protagonista do filme (Charlotte) é a jovem e bela atriz Macha Méril, que tinha 23 anos no ano de produção de 'Une Femme Mariée' (1964).
'Une Femme Mariée' ('Uma Mulher Casada') foi feito a pedido dos organizadores do Festival de Cinema de Veneza, que seria realizado em 1964 (entre os dias 27/08 e 10/09). Eles perguntaram a Godard se o mesmo já tinha algum filme pronto para que pudesse competir no Festival daquele ano e o cineasta disse que não.
Porém, os organizadores disseram que se Godard conseguisse terminar um filme a tempo de ser exibido no Festival, eles o colocariam na competição pelo Leão de Ouro, prêmio máximo do festival.
Assim, em apenas um mês, Godard fez a pré-produção, filmagem e montagem de 'Une Femme Mariée', quando geralmente um filme como este demoraria, pelo menos, três meses para que se pudesse fazer tudo isso. O belo filme de Godard competiu no Festival de Veneza e foi muito elogiado por Michelangelo Antonioni, que conquistou o Leão de Ouro com a obra-prima 'Deserto Vermelho'.
Aliás, Godard elogiou muito o filme de Antonioni e disse que o Leão de Ouro para 'Deserto Vermelho' tinha sido mais do que merecido. Antonioni retribuiu a afirmação de Godard, dizendo que este merecia conquistar o Leão de Prata de melhor diretor. Posteriormente, Godard entrevistou Antonioni para a revista 'Cahiers du Cinéma' a respeito de 'O Deserto Vermelho'.
Obs: A entrevista com Antonioni foi publicada na edição 160, de Novembro de 1964, da 'Cahiers du Cinéma'.
Isso mostra que os dois gênios do cinema sempre se respeitaram.
9 - Quando Godard fez dois filmes ao mesmo tempo!
'Made in USA' e 'Deux ou Trois Choses Que Je Sais D'Elle': Godard os filmou ao mesmo tempo, em 1966. E depois Godard sugeriu que o público assistisse aos dois filmes de forma simultânea e de maneira alternada. 'Made in USA', disse Godard, era fruto da mistura de Walt Disney com sangue, resultando em um filme político.
Em apenas dois anos, 1966 e 1967, Godard conseguiu a proeza de dirigir e lançar 5 filmes, que foram: 'Masculino Feminino' (1966), 'Made in USA' (1966), '2 ou 3 Coisas Que Eu Sei Sobre Ela' (1966), 'A Chinesa' (1967) e 'Weekend' (1967).
Porém, no caso de 'Made in USA' e de '2 ou 3 Coisas Que Eu Sei Sobre Ela' há uma informação que, talvez, muitos desconheçam, que é o fato de que eles foram filmados ao mesmo tempo pelo cineasta franco-suíço.
Godard filmava 'Made in USA' durante o período da manhã e '2 ou 3 Coisas Que Eu Sei Sobre Ela' ele filmava no período da tarde. Depois, ele também fez a montagem dos dois filmes ao mesmo tempo.
Godard encarava as duas produções como sendo 'filmes gêmeos', chegando a sugerir que eles fossem exibidos simultaneamente, alternando-se as bobinas dos dois filmes: Primeiro seria exibida uma bobina de um filme, depois seria exibida a bobina do outro e, assim, sucessivamente, alternando a exibição dos dois.
Inclusive, a Cinemateca de Portugal colocou essa ideia, meio 'maluca', de Godard em pratica e exibiu os dois filmes de maneira que iam se alternando as bobinas de ambos. A exibição, bastante incomum, ocorreu no dia 02/07/1985.
10 - Godard, Isabelle Adjani e a luz artificial!!
Em 1983 Godard realizou um dos filmes mais acessíveis de sua carreira, que foi o belo policial 'B' 'Prénom Carmen', que conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza do mesmo ano. A protagonista do filme foi a jovem e belíssima atriz holandesa Maruschka Detmers, de apenas 20 anos, que era a mesma idade de Jean Seberg na época da realização de 'Acossado' (1959).
Porém, a estrela do filme deveria ter sido a também belíssima Isabelle Adjani, mas esta se desentendeu com Godard e abandonou as filmagens depois de apenas 15 dias. Segundo o próprio Godard afirmou, em uma entrevista, o desentendimento aconteceu em função do fato de que ele se recusou a filmar as cenas de Adjani com a utilização de luz artificial.
Porém, como Isabelle Adjani não aceitou essa decisão de Godard, ela decidiu abandonar as filmagens. Depois disso, Godard descobriu a jovem holandesa Maruschka Detmers e, logo no início, ele a filmou de forma belíssima, em close, usando apenas de luz natural. Na sequência a jovem Maruschka é filmada com várias expressões: de forma sensual, gargalhando, com expressão séria, triste e sorrindo.
Talvez essa tenha sido a forma que Godard encontrou de mostrar para Isabelle Adjani que ela havia cometido um erro ao abandonar 'Prénom Carmen', pois o uso de iluminação natural não impediu o cineasta de realçar toda a beleza e sensualidade de Maruschka. E o mesmo poderia ter sido feito com Isabelle.
11 - O filme que Godard faria para Coppola e que não aconteceu!
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Francis F. Coppola, Mel Brooks e Jean-Luc Godard. |
Em 1979, depois de longos 11 anos, Godard decidiu retomar a sua trajetória de cineasta voltado para a produção de filmes que seriam exibidos, novamente, em salas comerciais, bem como nos principais festivais de cinema.
Francis F. Coppola convidou Godard para fazer um filme para a sua empresa Zoetrope Studios, na California, que o cineasta havia concebido e criado para realizar filmes de cineastas autorais do mundo inteiro, como Kurosawa, Wim Wenders e, claro, Godard.
O contrato foi assinado e Godard recebeu US$ 250 mil adiantados para viabilizar a produção, que teria Robert De Niro e Diane Keaton como protagonistas.
Porém, os planos para a realização deste filme foram por água abaixo quando Diane Keaton exigiu um roteiro pronto e acabado. Mas, como é do conhecimento de todos, Godard não trabalha com roteiro pronto. Ele vai escrevendo as cenas e diálogos conforme o filme vai sendo realizado.
Desta maneira, Godard acabou filmando na Suíça, mesmo, onde ele passou a morar a partir do final dos anos 1970, na pequena cidade de Rolle (próxima de Genebra), e pagou a dívida com Coppola cedendo os direitos de exibição do filme, que foi o 'Sauve qui peut (la vie)', de 1979, para a empresa do produtor e cineasta dos EUA.
12 - Godard e Brigitte Bardot!
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Brigitte Bardot e Jean-Luc Godard durante as filmagens de 'Le Mépris' (1963). |
No início de 1963 a belíssima Brigitte Bardot, atriz mais popular da França e da Europa, já era uma grande estrela do cinema, porém estava insatisfeita com o rumo que a sua carreira havia tomado, que era marcada por filmes ruins e nos quais o único atrativo era ela mesma.
Assim, no início de 1963, ela concedeu uma entrevista na qual dizia que estava interessada em trabalhar com Godard. E este respondeu de maneira afirmativa, dizendo que também tinha interesse em trabalhar com a grande estrela francesa.
Afinal, Godard vinha de um filme que tinha sido o maior fracasso comercial da sua carreira, que era 'Les Carabiniers' (1963), enquanto que Bardot queria melhorar as suas atuações como atriz e fazer filmes melhores. E daí ela foi contratada, por Godard, para ser a protagonista de 'Le Mépris' (O Desprezo 1963), filme baseado em um livro de mesmo título de autoria de Alberto Moravia.
Portanto, ambos tinham muito a ganhar com essa colaboração. Godard atrairia um público bem maior para o seu filme, enquanto que Bardot trabalharia com um cineasta que faria com que ela progredisse em seu trabalho de atriz.
Porém, a participação de Bardot em 'Le Mépris' encareceu muito os custos do filme (o cachê dela representou 50% do orçamento do filme), o que obrigou Godard a procurar por dois grandes produtores (o italiano Carlo Ponti e o estadunidense Joseph Levine) para que pudesse viabilizar a realização do filme.
Assim, o filme foi o único que Godard fez em sua carreira que pode ser considerado, pelos valores envolvidos, uma grande produção. Mas o cineasta franco-suíço sempre disse que, se retirasse o valor do cachê de Bardot dos cálculos, 'Le Mépris' ainda poderia ser considerado um filme de baixo orçamento, o que é verdade.
Mas os compromissos comerciais assumidos com os produtores obrigaram Godard a fazer algumas concessões, principalmente para Joseph Levine, que disse que havia investido muito dinheiro no filme porque desejava 'ver Brigitte Bardot nua'. Mas na primeira versão do filme não havia nenhuma cena de nudez da belíssima atriz francesa.
E este fato desagradou bastante a Levine, que exigiu que Godard incluísse cenas de nudez de Bardot no filme. Godard atendeu às exigências do produtor dos EUA, mas o fez do seu jeito, mostrando Bardot, de bruços, em cenas bonitas e sensuais.
As cenas de nudez de Bardot estão entre as mais belamente filmadas por Godard, principalmente a sequência de abertura, que mostra Bardot nua na cama, perguntando para Michel Piccoli se ela era bonita, enquanto as cores da bandeira francesa se alternam na tela.
E 'Le Mépris' é considerado uma das obras-primas de Godard.
13 - Rossellini: A entrevista que Godard inventou!
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Truffaut, Rossellini e Jeanne Moreau. O cineasta italiano exerceu uma grande influência sobre os jovens críticos da 'Cahiers du Cinéma' que criaram a Nouvelle Vague. |
Em 1956 a revista 'Arts-Spectacles' tinha em François Truffaut o seu principal colaborador. Ele era o responsável pela parte de Cinema da revista, possuindo autonomia para fazer o seu trabalho. Sua popularidade era imensa e os seus textos eram aqueles que mais geravam polêmica junto ao público leitor.
Assim, em 1958, Truffaut convidou Godard para, também, se tornar um colaborador da publicação, o que acabou acontecendo.
E Godard chegou com tudo, pois logo no começo da sua colaboração ele publicou uma entrevista com o grande mestre Roberto Rossellini, um dos criadores do Neorrealismo Italiano, que vinha de mais de uma década de grandes filmes, incluindo a 'Trilogia da Guerra' neorrealista e os filmes que havia realizado com Ingrid Bergman, como 'Stromboli' (1950), 'Europa 51' (1952), 'Viaggio in Italia' (1954), entre outros.
Porém, essa entrevista de Godard com o Rossellini nunca aconteceu. Ela foi inteiramente inventada por Godard.
Rossellini deve ter levado um belo susto quando estava lendo a revista e viu aquela 'entrevista', na qual Godard havia feito todas as perguntas e dado todas as respostas, em nome de Rossellini. Talvez ele tenha se perguntado 'Ué, mas que raio de entrevista é essa? Não estou me lembrando disso, não'...
No entanto, ao ler a 'entrevista', Rossellini gostou tanto que convidou Godard para almoçar, para conhecer o mesmo. Afinal, as 'respostas' que Godard atribuiu ao Rossellini na tal 'entrevista' eram exatamente o que ele teria dito se tivesse, de fato, sido entrevistado por Godard, o que mostrava o quanto o crítico franco-suíço conhecia profundamente a sua obra e os seus métodos de trabalho.
Assim, Rossellini e Godard tornaram-se amigos e até chegaram a trabalhar juntos em 'Les Carabiniers' (1963), cujo roteiro foi escrito pelos dois e que foi um filme cuja estética foi muito influenciada pelos filmes de Rossellini da época do Neorrealismo Italiano.
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