Uma pequena história sobre o início da 'Nouvelle Vague'!

Uma pequena história sobre o início da 'Nouvelle Vague'! - Marcos Doniseti!

Imagens de filmes clássicos da Nouvelle Vague: 'Os Primos', 'Acossado', 'Os Incompreendidos', 'Hiroshima mon Amour', 'Lola', 'Jules et Jim', 'Adieu, Philippine', 'Cléo de 5 às 7', 'O Desprezo' e 'Minha Noite com Ela'.
Jacques Rivette foi o primeiro cineasta da Nouvelle Vague a dirigir um longa-metragem!

A Nouvelle Vague foi criada por um grupo de cinéfilos e críticos originários da revista 'Cahiers du Cinéma' e que incluía Trufffaut, Godard, Chabrol, Rivette e Rohmer. Nesta fase, em que eles atuavam como críticos de cinema, Truffaut era o nome mais combativo, popular e polêmico.
 
Os 5 foram designados por André Bazin, crítico e intelectual respeitado na França, com a denominação de 'Gangue Schérer' e, depois, de 'Jovens Turcos'. Foi Bazin quem contratou os membros do grupo para começar a escrever para a 'Cahiers du Cinéma', já a partir de 1951 (a primeira edição da 'Cahiers' é de Abril de 1951). Godard foi o primeiro a escrever para a 'Cahiers', usando inicialmente o pseudônimo de Hans Lucas (Jean-Luc em alemão).

Eles já eram críticos antes de colaborar com a 'Cahiers', tendo criado uma pequena publicação chamada 'Gazette du Cinéma', da qual foram publicadas 5 edições entre Maio e Novembro de 1950.

Seu texto 'Uma certa tendência do cinema francês', publicado em Janeiro de 1954 na  edição de número 31 da 'Cahiers du Cinéma', balançou os alicerces da conservadora indústria cinematográfica do país, gerando um debate que durou muitos anos, sendo que o mesmo teve continuidade até a década de 1960, época em que os cineastas do movimento lançaram inúmeros filmes.
 
Nos primeiros anos da "Nouvelle Vague" muitos críticos de cinema franceses torciam o nariz e atacavam duramente os filmes do movimento.

Rivette foi o pioneiro, entre os membros do movimento, a iniciar a produção de um longa-metragem ("Paris nos Pertence"), ainda em 1957, mas a falta de recursos impediu que o filme fosse concluído naquele ano. Antes dele, Éric Rohmer havia dirigido um média-metragem ("La sonate à Kreutzer", de 1956). 

Se isso tivesse acontecido, então "Paris nos Pertence" teria sido o primeiro longa-metragem de um cineasta do movimento a ser exibido comercialmente. Infelizmente, o filme de Rivette demorou muito para ser finalizado e acabou sedo lançado apenas em 1961, quando a "Nouvelle Vague" não era mais uma novidade e os nomes de Truffaut, Godard e Chabrol já eram conhecidos de todos e desfrutavam de um grande prestígio no cinema francês e mundial.

"A Nouvelle Vague e Godard", de Michel Marie, é um livro essencial para se entender o movimento e o primeiro longa-metragem de Godard.
Assim, foi Claude Chabrol quem dirigiu os dois primeiros longas-metragens da Nouvelle Vague, que foram 'Nas Garras do Vício' e 'Os Primos', sendo que ambos fizeram muito sucesso. Os dois filmes foram filmados em 1958 e acabaram sendo lançados em Janeiro e Março de 1959.

Logo depois, Truffaut lançou 'Os Incompreendidos', que é um filme com uma característica fortemente autobiográfica e que também fez um grande sucesso, com o jovem cineasta recebendo o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes de 1959. 

No mesmo festival, outro cineasta que se consagrou com o seu primeiro longa-metragem foi Alain Resnais, com o clássico "Hiroshima Mon Amour", também de 1959, que recebeu o prêmio de melhor filme da crítica francesa e que foi muito elogiado por Godard, Truffaut e Chabrol.

Com o sucesso destes três filmes, o prestígio de Truffaut e Chabrol cresceu
tanto que foi somente com a assinatura deles na produção e no roteiro de 'Acossado' que Godard conseguiu dirigir o seu primeiro e atemporal longa-metragem.

Godard, até o verão de 1959 (quando "À Boute De Souffle" foi filmado), tinha realizado apenas um documentário, que foi 'Opération Béton' (1954), e quatro curtas-metragens, que foram "Une Femme Coquette" (1955), "Une Histoire d'Eau" (1956), "Charlotte et Véronique, ou Tous les garçons s'appelent Patrick" (1957) e Charlotte et son Jules" (1958). 

Livro "O Prazer dos Olhos" reúne inúmeras críticas e textos de autoria de François Truffaut.
Em "Charlotte et son Jules" (curta de 1958) nós tivemos a participação de Jean-Paul Belmondo e Godard gostou tanto da sua atuação, fortemente marcada por uma grande capacidade de improvisação, que ele avisou Belmondo de que quando fosse filmar o seu primeiro longa-metragem ele, Belmondo, seria convidado a trabalhar no mesmo. Mas, na edição final de 'Charlotte et son Jules' Belmondo acabou sendo dublado por outro ator. 

Belmondo disse, em sua autobiografia ("Mil Vidas valem mais do que Uma", lançada no Brasil pela L&PM Editores em 2018) que não levou muito a sério essa promessa do Godard, mas quando este conseguiu viabilizar a produção de 'Acossado', o mesmo foi chamado a interpretar o protagonista da história, um criminoso que pratica o roubo de um carro e mata um policial e que passa a ser perseguido por toda a Polícia francesa. 

A brilhante atuação de Belmondo em 'Acossado' fez com que ele se tornasse, imediatamente, uma estrela de primeira grandeza do cinema francês e europeu, e a partir dali não lhe faltaram mais propostas de trabalho. É justamente por isso que em seu livro Belmondo agradeceu a Godard, com o qual ele voltou a trabalhar em 'Une Femme est une Femme' (1961), na condição de coadjuvante, e em 'Pierrot le Fou' (1965), como um dos protagonistas, ao lado de Anna Karina. 

Nesta época, Belmondo era um ator talentoso que ainda procurava conquistar o seu espaço no cinema francês, que, neste período, não facilitava muito o surgimento de novos rostos e tampouco de novos diretores e roteiristas.
 
A indústria do cinema francês dos anos 50, pré-Nouvelle Vague, era bastante fechada e conservadora, o que levou os críticos da 'Cahiers' a fazer duras críticas à mesma, vindas principalmente de François Truffaut, que era o mais ácido crítico da 'Cahiers'.
 
Godard e a belíssima Jean Seberg durante as filmagens de 'Acossado'. Belmondo disse, em sua autobiografia, que Godard tinham uma paixão secreta pela atriz e que a convidou para participar do filme em função disso.
O roteiro de 'Acossado': Quem é o autor?

O roteiro de "À Bout De Souffle" ("Acossado") foi baseado em uma história real, que envolveu um criminoso francês chamado Michel Portail que, em 1952, roubou um carro e matou um policial. Ele foi perseguido e preso pela polícia francesa durante um fim de semana que mobilizou toda a imprensa da França. No filme, o final da história de Michel foi modificada por Godard.

Porém, os produtores franceses estavam receosos de aplicar dinheiro em um longa-metragem que seria realizado por um diretor estreante (Godard, é claro), que nunca havia realizado um longa-metragem. Isso aconteceu porque após o grande sucesso inicial dos filmes de Truffaut e Chabrol nós tivemos a produção, na França, de inúmeros filmes dirigidos por cineastas estreantes e a imensa maioria deles fracassou comercialmente. 

Para conseguir convencer estes produtores (Georges de Beauregard, em especial), Truffaut e Chabrol decidiram ajudar o amigo Godard, o que era algo comum entre os cineastas do movimento que, nesta época, viviam ajudando uns aos outros quando os mesmos enfrentavam dificuldades para realizar os seus filmes.

Exemplo dessa colaboração é que nos primeiros filmes de Godard e Truffaut, cada um deles citava o filme do outro em suas obras. Em "Une femme est une Femme" (1961), de Godard, vemos várias referências á "Jules et Jim", que Truffaut estava filmando na época, contando até mesmo com uma pequena participação de Jeanne Moreau (protagonista de "Jules et Jim"; 1962). Nesta cena, Anna Karina pergunta para Jeanne Moreau como estavam Jules e Jim.
 
Godard e Truffaut: Uma amizade de 20 anos acabou sendo rompida por questões cinematográficas, políticas e ideológicas, mas no início da carreira eles colaboraram muito com o outro, ajudando-se mutuamente. 

Marie Dubois também fez uma pequena participação no mesmo filme de Godard, em que ela contracena com Anna Karina e na qual temos uma referência ao segundo filme dirigido por Truffaut, que foi "Atirem no Pianista" (1961), do qual Marie participou. 

Assim, graças a essa colaboração entre Godard e Truffaut, foi informado a Beauregard que o roteiro de "À Bout De Souffle" era de autoria de Truffaut e que Chabrol seria um consultor técnico do filme. Na verdade, isso foi feito apenas para conseguir convencer Beauregard e os outros produtores a bancar o filme de estreia do Godard e esse objetivo foi alcançado.

No entanto
, de fato, o roteiro de 'Acossado' (1959) foi escrito pelo próprio Godard, que o escrevia durante o café da manhã, filmando as cenas à tarde. Na verdade, o que Truffaut escreveu, antes, tinha sido apenas uma sinopse, com um resumo da história. O roteiro, com as cenas e diálogos, foi obra de Godard. Além disso, Chabrol nunca trabalhou como consultor técnico de Godard, sendo que jamais apareceu nas filmagens. 

Portanto, os nomes de Truffaut e Chabrol foram ligados à produção de "Acossado" como uma forma de dar um aval criativo, por meio do qual eles garantiam aos produtores que Godard era um ótimo diretor e que eles não perderiam dinheiro se investissem na produção do filme. 

E como o genial Godard sabia muito bem o que desejava fazer, o 'Filme Manifesto' (como diz Michel Marie em seu livro) "À Bout De Souffle" acabou se tornando um dos mais revolucionários e essenciais filmes da história do Cinema mundial.
 
Chabrol e Godard, dois dos grandes nomes da história do Cinema mundial. 
 
Links:

Inácio Araújo comenta livros de Bazin e Truffaut:
 
Trailer de 'Acossado' (1959):
 


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