História do Cinema: Novo Cinema Alemão!

História do Cinema: Novo Cinema Alemão! - Marcos Doniseti!

Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders são considerados os três grandes nomes do 'Cinema Novo Alemão', movimento que começou em 1962 e que atingiu o seu auge nos anos 1970 e 1980.

O 'Novo Cinema Alemão' e a sua história! 

A história do Novo Cinema Alemão começou no dia 28 de Fevereiro de 1962, com a divulgação do 'Manifesto de Oberhausen', que foi elaborado e divulgado por 26 jovens cineastas durante a oitava edição do 'Festival Nacional de Curtas-Metragens de Oberhausen'.

Este festival era organizado pelo governo alemão ocidental para estimular o desenvolvimento do cinema nacional, apoiando a realização de curtas-metragens, o que efetivamente deu resultado, com vários filmes recebendo prêmios em importantes Festivais internacionais.

E tal como aconteceu com inúmeros outros movimentos cinematográficos mundo afora (caso do Cinema Novo brasileiro, por exemplo), o movimento germânico foi muito influenciado pela Nouvelle Vague francesa, tanto que designaram o seu movimento com um nome muito parecido (Cinema Novo).

É bom ressaltar que a década de 1960 foi bastante pródiga no processo de renovação do Cinema, com o surgimento de inúmeros 'Cinemas Novos' pelo mundo afora (Brasil, Japão, Tchecoslováquia, Canadá, Grã-Bretanha, Polônia, a Nova Hollywood nos EUA). E em todos estes movimentos nós tivemos, em maior ou menor grau, a influência do Neorrealismo Italiano e da Nouvelle Vague francesa.

Alexander Kluge discursa, no dia 28/02/1962, no lançamento do 'Manifesto de Oberhausen', que defendia a criação de um 'Novo Cinema Alemão', visando promover uma drástica renovação da arte cinematográfica do país.

Os signatários do Manifesto de Oberhausen se propunham a produzir um novo cinema, criando uma nova linguagem, inovadora e que seria bastante crítica em relação ao cinema comercial que era produzido até então no país mais rico e desenvolvido da Europa, mas cuja qualidade da produção cinematográfica estava muito longe de corresponder a essa riqueza material que a população do país desfrutava.

Estes novos cineastas diziam, acertadamente, que os filmes (longas-metragens) produzidos no país naquela época, e que eram chamados de 'Heimatfilmes', pois exaltavam a pátria e a vida rural em um passado idealizado e que haviam recebido grande estímulo do regime nazista, eram superficiais e sem qualquer qualidade artística relevante. 

Assim, eles afirmavam que era fundamental se promover uma mudança radical neste pobre e defasado cenário cinematográfico do país. 

Os signatários do 'Manifesto de Oberhausen' diziam que o Festival, por meio do qual o governo alemão estimulava e apoiava a produção de inúmeros curtas-metragens, era importante, mas que era necessário ir além, dizendo que o governo do país também deveria passar a apoiar a produção de longas-metragens que fossem realizados por novos cineastas. Quem fez a leitura do 'Manifesto de Oberhausen' (em 28/02/1962) foi Alexander Kluge, que irá se tornar um dos principais cineastas do movimento.

Os signatários do 'Manifesto'
afirmavam que estavam prontos para produzir um cinema que seria inovador, ousado esteticamente e relevante artisticamente, bem como afirmavam que tinham propostas concretas para viabilizar estas novas produções e que as mesmas seriam economicamente viáveis.
 
Cena de 'Despedida de Ontem' (1966), que foi o primeiro longa-metragem de Alexander Kluge e que conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1966. O filme trata da divisão do país entre suas partes Ocidental (Capitalista) e Oriental (Socialista), tema que não era visto no cinema germânico antes do surgimento do Novo Cinema Alemão.

Além de ser cineasta, é bom ressaltar que Kluge também era um jovem intelectual ligado à chamada Escola de Frankfurt (onde ele trabalhou com Theodor Adorno) e, logo, ele tem uma formação marxista. 

Não foi à toa, portanto, que posteriormente ele levou adiante a ideia (que era originalmente do grande cineasta soviético Sergei Einsenstein) que era o de fazer um filme sobre a obra 'O Capital' (de Karl Marx, é claro), um grandioso projeto que deu origem ao filme 'Notícias da Antiguidade Ideológica' (2008) e que no total tem 570 minutos de duração.

Kluge foi um dos signatários do Manifesto de Oberhausen e fez um incansável trabalho de defesa do Cinema Novo Alemão junto ao governo do país, o que resultou na criação do 'Kuratorium junger deutscher Film' (Comitê do Jovem Cinema Alemão), que daria sustentação às primeiras produções do movimento. 

Entre os integrantes do Kuratorium, além de cineastas, tínhamos também críticos e estudiosos de cinema. Além disso, o 'Manifesto de Oberhausen' também levou à criação de inúmeros cursos de cinema, cineclubes e cinematecas, nos anos seguintes, por toda a Alemanha Ocidental, o que mostra a consolidação do movimento.

Cena de 'O Jovem Torless' (1966), primeiro longa-metragem de Volker Schlondorff, que conquistou o Prêmio dos Críticos de Cinema no Festival de Cannes de 1966. O filme mostra o autoritarismo e a violência existente em uma instituição militar alemã, que era outro assunto do qual o cinema alemão não tratava. O Novo Cinema Alemão refletiu criticamente sobre a história da Alemanha do século XX, que foi marcada por inúmeras tragédias.

O Kuratorium viabilizou a produção de 20 longas-metragens em apenas três anos de existência. Desta forma, a realização das obras desta nova geração de cineastas foi possível graças a um esquema de financiamento e de produção independente, o que foi resultado da mobilização dos cineastas que elaboraram e assinaram o 'Manifesto'.

Em poucos anos, o Cinema Novo Alemão conquistou vários prêmios importantes, o que expressava o reconhecimento internacional da crescente relevância do movimento.

Estes prêmios foram dados aos filmes 'Abschied von Gestern' ('Despedida de Ontem', 1966), de Alexander Kluge, que conquistou cinco prêmios no Festival de Veneza de 1966 (incluindo o Leão de Ouro), e 'Der jurgen Torless' ('O Jovem Torless', 1966), de Volker Schlondorff, que recebeu o prêmio da FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema) no Festival de Cannes, também em 1966.

Porém, apesar do reconhecimento internacional para estes filmes e da consolidação do movimento, o grande público alemão mantinha-se distante das obras desta nova geração de cineastas, pois elas possuíam um claro teor vanguardista, ousado e inovador, o que afastava as pessoas destas produções. 

Assim, o 'Cinema Novo Alemão' somente conquistaria um significativo sucesso de público, dentro e fora da Alemanha, na década seguinte, quando surgiu uma segunda geração de cineastas que, embora tenham começado produzir no final dos anos 1960, atingiram o seu auge criativo e comercial durante a década de 1970.

Cena de "O Medo do Goleiro Diante do Pênalti" (1972), de Wim Wenders, que divulgou o nome do cineasta alemão para o mundo e é baseado em um livro do escritor austríaco Peter Handke, com quem Wenders iniciou uma produtiva colaboração que durou muitos anos. 

Entre os signatários que assinaram o 'Manifesto de Oberhausen' e que conseguiram levar adiante uma carreira de longa duração nós tivemos Alexander Kluge, Peter Schamoni e Edgar Reitz. E Kluge, Schlondorff e Margarethe von Trotta, foram os principais nomes do Novo Cinema Alemão durante os anos 1960.

Entre os temas principais dos filmes destes novos cineastas estavam os acontecimentos históricos nos quais a Alemanha esteve envolvida durante o século XX, como as duas Guerras mundiais, o Nazismo, a divisão do país e o 'milagre econômico' do Pós-Guerra, os conflitos entre os jovens nascidos durante a Guerra com os seus pais e avós, que se recusavam totalmente a falar sobre o passado.

Assim, não é à toa que um dos principais objetivos do movimento foi o de derrubar inteiramente o muro de silêncio que foi imposto pelas gerações anteriores a respeito do passado da Alemanha, o que será um dos principais fatores que irá provocar um conflito geracional no país.

Já nos anos 1970 nós tivemos o surgimento de um trio de geniais cineastas que irá fazer com que o Novo Cinema Alemão chegasse a um novo patamar de qualidade e de reconhecimento interno e externo, levando as suas produções para as telas de cinema do mundo inteiro, conquistando inúmeros prêmios nos principais Festivais internacionais (Berlim, Cannes, Veneza...). 

Os três grandes cineastas que foram responsáveis por este reconhecimento, consolidação e consagração internacional do Cinema Novo Alemão foram Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders.

'Aguirre, a Cólera dos Deuses' (1972), de Werner Herzog, também divulgou o nome deste brilhante cineasta para o mundo. Ele trabalhou em vários filmes com o problemático Klaus Kinski (pai da belíssima atriz Nastassja Kinski), a quem Herzog ameaçou matar, pois Kinski queria abandonar as filmagens antes do término. Com isso, Kinski mudou de ideia e ficou até o fim...

Íntegra do 'Manifesto de Oberhausen'! 


"O colapso do cinema convencional alemão há muito tempo impede uma atitude intelectual e o rejeitamos em suas bases econômicas.

O novo cinema tem, assim, a chance de vir à vida.

Em anos recentes, curtas-metragens alemães, realizados por jovens autores, diretores e produtores, receberam inúmeros prêmios em festivais e atraíram a atenção de críticos de outros países.

Esses filmes e o sucesso por eles alcançados demonstram que o futuro do cinema alemão está com aqueles que falam uma nova linguagem cinematográfica. Como em outros países, o curta-metragem na Alemanha tornou-se um espaço de aprendizado e uma área de experimentação para o filme de longa-metragem.

Declaramos que nossa ambição é criar um novo filme de longa-metragem alemão. 

Este novo filme exige liberdade. Liberdade das convenções da realização cinematográfica. Liberdade das influências comerciais. Liberdade da dominação de interesses de grupo.

Nós temos ideias intelectuais, estruturais e econômicas realistas sobre a produção do Cinema Novo Alemão. Nós estamos prontos a correr os riscos econômicos. O velho cinema está morto. Nós acreditamos no novo cinema (Oberhausen, 28 de Fevereiro de 1962).".

Cena de 'As Lágrimas Amargas de Petra von Kant' (1972), de Fassbinder, que divulgou o cineasta internacionalmente. Este filme de Fassbinder, junto com 'Aguirre, a Cólera dos Deuses' (Werner Herzog; 1972) e 'O Medo do Goleiro Diante do Pênalti' (Wim Wenders; 1972) consagrou mundialmente o Novo Cinema Alemão.

Anos 1970: Wenders, Fassbinder e Herzog: Os três grandes!

Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders foram os três grandes nomes que surgiram como resultado do desenvolvimento do Novo Cinema Alemão e que começaram a fazer os seus primeiros filmes nos anos finais da década de 1960. 

E a partir dos anos 1970 os seus filmes ganharam o mundo, sendo premiados em inúmeros festivais internacionais e conquistaram um significativo público pelo mundo afora, conseguindo combinar sucesso comercial e de crítica.

Entre os nomes que se tornaram mais conhecidos, nos anos 1970 e 1980, e que assinaram o 'Manifesto de Oberhausen', nós tivemos Alexander Kluge e Edgar Reitz. Estes dois, juntos com Peter Schamoni, foram aqueles que, entre os signatários do 'Manifesto' conseguiram consolidar uma carreira de longo prazo.

Mas os cineastas alemães que ficaram mais famosos, inclusive internacionalmente, e que também estavam associados a este processo de renovação promovido pelo Novo Cinema Alemão foram Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog, Wim Wenders, Volker Schlondorff, Alexander Kluge e Margarethe von Trotta.

'Alice nas Cidades' (1974), de Wim Wenders, é um dos grandes filmes do Cinema contemporâneo e deu início à belíssima 'Trilogia da Estrada', que teve continuidade com 'Movimento em Falso' (1975) e foi concluída com 'No Decurso do Tempo' (1976).

A década de 1970 - Uma nova fase! 

Outro acontecimento importante que tivemos, na década de 1970, é que o cinema da Alemanha Ocidental se beneficiou com a criação de um esquema de subsídios fornecidos pelo governo do país, bem como com o apoio das emissoras de TV públicas regionais. 

Assim, o governo alemão ocidental
criou um fundo de financiamento público para o Cinema do país (Filmförderungsanstalt - FFA) e que era bancado com a cobrança de um imposto sobre os ingressos de cinema vendidos no país, política esta que já era adotada em outros países europeus, como a França e a Itália, desde o começo do Pós-Guerra, e que a Alemanha adotou muito tardiamente. 

Além disso, nos anos 1970, os cineastas do movimento começaram a criar as suas próprias produtoras, tal como aconteceu em 23/04/1971, quando Wenders se uniu a mais 12 cineastas alemães e criou uma empresa independente que buscava patrocínios para produzir e distribuir seus filmes, que foi a 'Filmverlag der Autoren'

Aliás, nota-se a clara influência da Nouvelle Vague francesa até mesmo no nome da produtora (Cinema de Autores). Portanto, a ideia de se criar um cinema autoral também está na base do movimento germânico, tal como aconteceu em outros países neste período.

Cena de 'Martha' (1974), de Fassbinder, na qual o diretor e o câmera Michael Ballhaus usaram, pela primeira vez, a técnica do movimento de 360 graus. Posteriormente, Ballhaus foi convidado para trabalhar com Scorsese e usou desse recurso em vários filmes produzidos em Hollywood.

Aliás, é bom ressaltar que Wenders morou em Paris, em 1966, ano em que foi estudar na capital francesa, sendo que durante aquele ano ele se tornou um assíduo frequentador da Cinemateca local. Wenders afirmou que assistia a cinco filmes diariamente e, assim, ele se tornou um apaixonado pelo Cinema. Ele afirmou que chegou a ver mais de mil filmes apenas naquele ano em que estudou na 'Cidade Luz'.

Aliás, interessante é a explicação que Wenders deu para o fato de assistir tantos filmes no local, que é o fato de que o quarto que ele alugou em Paris não tinha aquecimento, sentindo muito frio e, assim, quando não estava estudando, ele ia para a Cinemateca, que era bem aquecida. E com isso ele se apaixonou pelo Cinema... 

Depois que voltou para a Alemanha, em 1967, Wenders se matriculou na Escola Superior de Cinema e Televisão de Munique e o seu longa-metragem 'Summer in the City' (em 16mm) foi o seu projeto de conclusão do curso.

E enquanto frequentava o curso em Munique, Wenders também trabalhava como crítico de Cinema em várias publicações alemãs, incluindo FilmKritik, Twen, Der Spiegel e no jornal diário Suddeutsche Zeitung. Esse é outro fator que aproxima ainda mais o Cinema Novo Alemão da Nouvelle Vague francesa, cujos criadores eram críticos de Cinema antes de começarem a filmar.
 
Cena de 'A Honra Perdida de Katharina Blum' (1975), que foi dirigido por Volker Schlondorff e Margarethe von Trotta. O filme se baseou em um livro do escritor Heinrich Boll (Prêmio Nobel de Literatura de 1972) e faz uma dura crítica ao sensacionalismo e manipulação da Grande Mídia comercial.

É bom lembrar que a Cinemateca de Paris também foi fundamental para o surgimento da geração que criou a Nouvelle Vague, cujos membros (Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer) sempre foram assíduos frequentadores da mesma, o que foi fundamental para a sua formação como críticos e cineastas. 

Inclusive, o genial Fassbinder era um grande admirador da obra de Godard, sendo que assistiu ao 'Viver a Vida' (1962) 27 vezes e trabalhou com Anna Karina em seu filme "Roleta Chinesa" (1976).

Em 1974, Wenders criou a sua própria produtora, a Wim Wenders Produktion e, em 1976, criou a Road Movie FilmProduktion Inc., que produziu e co-produziu, até 2003, mais de 100 filmes do próprio Wenders e de muitos outros cineastas.

Logo, uma das principais características do Cinema Novo Alemão é que os cineastas não apenas dirigiam, mas também produziam os seus próprios filmes, o que lhes proporcionava uma imensa liberdade criativa. E o reconhecimento internacional do seu trabalho também contribuiu para que pudessem desfrutar de uma ampla liberdade de criação. 

Portanto, pode-se concluir que os cineastas alemães aprenderam muito bem a lição ensinada por Karl Marx, ou seja, a de que se você quer ser realmente livre, então seja o dono dos meios de produção e distribuição de riquezas. Senão...

Cena do filme 'Movimento em Falso' (1975), o segundo da bela 'Trilogia da Estrada', de Wim Wenders. Nastassja fez aqui o seu primeiro filme, quando tinha apenas 14 anos de idade.

Em função de todas estas iniciativas, o Cinema Novo Alemão ganhou um grande impulso, conquistou um público cada vez maior, dentro e fora do país, e passou a ser bastante divulgado no mundo inteiro. E a conquista de prêmios internacionais em importantes Festivais do mundo (Cannes, Veneza, Berlim) se intensificou ainda mais, é claro nos anos 1970 e 1980. 

Mas é bom ressaltar que
o fato de que integravam um mesmo movimento de renovação da linguagem cinematográfica, cada diretor do Novo Cinema Alemão tinha o seu próprio jeito (estilo) de trabalhar, não existindo uma unidade estética ou temática entre estes cineastas. 


A respeito disso, o próprio Wim Wenders declarou o seguinte:

"O Novo Cinema Alemão não é uma categoria determinada, como o Neo-Realismo na Itália ou a Nouvelle Vague na França. Não há um estilo uniforme, nem histórias em comum. Tínhamos apenas em comum uma necessidade, a de fazer filmes, de começar de novo com a realização de filmes num país em que esta cultura foi interrompida durante anos. Os autores eram, logo no início, muito diversos, por isso respeitávamo-nos e éramos solidários. Esta solidariedade foi a fonte do Novo Cinema Alemão".

Então, foi neste contexto que cineastas como os já citados Wim Wenders, Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog, Volker Schlondorff, Alexander Kluge, Margarethe von Trotta, Edgar Reitz, entre outros, começaram a ter as suas obras distribuídas, exibidas, reconhecidas e premiadas pelo mundo afora.

Cena de 'O Amigo Americano' (1977), de Wim Wenders, um dos grandes clássicos do cinema contemporâneo e que contou com a participação de Dennis Hopper e Bruno Ganz. Os dois chegaram a brigar no começo das filmagens, mas depois de uma bebedeira juntos eles fizeram as pazes. 

Desta maneira, os filmes criados por estes talentosos cineastas se tornaram o principal produto cultural de exportação da Alemanha, o que foi usado pelo governo da então Alemanha Ocidental (capitalista) para se legitimar perante a comunidade internacional, pois ela disputava com a então Alemanha Oriental (socialista) a condição de ser a 'verdadeira' Alemanha.

E sobre toda essa efervescência criativa que deu origem ao Novo Cinema Alemão, a crítica de cinema e historiadora alemã Lotte H. Eisner (que literalmente adotou o novo movimento, ao qual passou a divulgar com entusiasmo) afirmou o seguinte em seu livro A Tela Demoníaca:

"Herzog, Wim Wenders, Fassbinder, Hauff, Fleischmann, Kluge, Schroeter, Achternbusch e ainda muitos outros me convenceram de que os jovens alemães haviam ultrapassado as manifestações tão verborrágicas de Oberhausen e estavam aptos a fazer filmes interessantes. De onde vinha esse apogeu tão espontâneo? Então compreendi que os alemães sempre precisaram de uma certa exaltação e de um certo desespero que lhes dessem o ímpeto de se tornarem criadores. Isso se passara nos anos 20, quando uma guerra perdida, uma revolução abafada, os esfacelamentos de todos os valores devido a uma inflação inexorável puderam fazer surgir uma arte cinematográfica prodigiosa. (...) Esse mal-estar, o desprezo pelo Witschaftswunder (milagre econômico) artificial de uma sociedade de consumo reacionária e pelo materialismo que dela resulta. Causas bastante confusas, às quais se impõem, além do mais, a decepção que provocou o desvio da revolta de 1968 e criou esta desordem encarniçada, da qual os alemães sempre precisaram para fazer surgir aquele ardor indispensável que os torna criadores".

Obs1: Esse comentário foi retirado do livro A Tela Demoníaca (página 235), de Lotte Eisner.

Cena de 'Nosferatu' (1979), uma excelente refilmagem, feita por Werner Herzog, do clássico de 1922 (de F. W. Murnau).

Com isso, como já afirmei, o
reconhecimento e o sucesso internacional dos inúmeros filmes produzidos pelos novos cineastas da Alemanha permitiu que eles desfrutassem de uma ampla liberdade criativa. Sobre este assunto a crítica Laura Cánepa escreveu o seguinte:


"Tais condições (produção), em grande parte, refletiam o interesse do Estado em patrocinar filmes com base em um complexo sistema de subsídios e apoio financeiro direto, o que seria enriquecido depois pela parceria com a televisão. Esse sistema, que deu independência econômica em relação às bilheterias, permitiu-lhes trabalhar de maneira bastante pessoal e até idiossincrática, desenvolvendo trabalhos autorais e personas com status de grandes estrelas do cinema".

Obs2:
Esse trecho foi retirado do capítulo Cinema Novo Alemão (página 327), que faz parte do livro História do Cinema Mundial, organizado por Fernando Mascarello (Papirus Editora).

Portanto, as garantias que os cineastas do movimento tiveram de financiamento (pelo governo alemão ocidental) e também de exibição (pelas emissoras de TV públicas regionais) contribuíram para que eles pudessem criar livremente uma obra de caráter absolutamente pessoal, ou seja, de natureza autoral, o que era exatamente o objetivo dos criadores do Novo Cinema Alemão. 

O ano de 1972 foi decisivo para a consolidação e para a conquista do mercado internacional pelo Novo Cinema Alemão, pois neste ano nós tivemos a produção e o lançamento de três filmes fundamentais, que foram 'O medo do goleiro diante do Pênalti' (Wim Wenders), 'As lágrimas amargas de Petra von Kant' (Rainer W. Fassbinder) e 'Aguirre: A cólera dos Deuses' (Werner Herzog).

Cena de 'O Casamento de Maria Braun' (1979), de Fassbinder, que foi o primeiro filme da chamada 'Trilogia da Alemanha Ocidental', que retrata de forma crítica e ácida o 'Milagre Econômico Alemão' do Pós-Guerra. A Trilogia foi completada com 'Lola' (1981) e 'O Desespero de Veronika Voss' (1982).

Estas três grandes obras divulgaram o nome destes três geniais cineastas para o mundo inteiro, levando o movimento para inúmeros países e mercados. Fassbinder foi o mais produtivo dos três, chegando a realizar espantosos 44 filmes, sendo que faleceu precocemente em 1982 com apenas 37 anos de idade. 

Nem o genial Godard, a cuja obra Fassbinder admirava muito e que era outro criador que nunca parava de produzir, se compara à Fassbinder neste aspecto. E a produção de Fassbinder, que sofria uma grande influência teatral, pois ele era um excepcional diretor de Teatro, não impressiona apenas por uma questão de quantidade, mas também em função da imensa qualidade de sua obra, que foi altamente ousada e inovadora. 

Um exemplo deste caráter inovador da sua obra foi a criação do movimento de câmera de 360 graus, que foi criado por Fassbinder e por Michael Ballhaus no filme 'Martha' (1974). Posteriormente, Ballhaus foi convidado por Martin Scorsese para trabalhar em Hollywood e participou de vários filmes do grande cineasta ítalo-americano. 

Fassbinder também tratou, em seus filmes, de inúmeros temas que, na época, eram tabus, como o Autoritarismo das instituições e da sociedade alemãs, a Mídia sensacionalista, Homossexualismo masculino e feminino, o Terrorismo, o Nazismo, a Segunda Guerra Mundial, o Milagre Econômico Alemão. 

Com esse crescente prestígio do Novo Cinema Alemão, o governo do país percebeu a importância do mesmo e decidiu investir ainda mais no setor, estabelecendo, a partir de 1974, uma parceria entre os cineastas, as emissoras de TV regionais (estatais) da Alemanha Ocidental e com a 'FFA ('Filmförderungsanstalt'), o órgão do governo federal que se encarregava de distribuir as verbas para a produção dos filmes.

Desta maneira, como resultado desta parceria com a TV, inúmeros filmes foram realizados, sendo que os mesmos contavam com uma grande vantagem, que era a garantia de exibição pelas emissoras de TV alemãs. 

E um dos principais frutos dessa parceria foi o filme 'O Enigma de Kaspar Hauser' (de Werner Herzog), que alcançou grande sucesso internacional e conquistou três prêmios no Festival de Cannes de 1975, incluindo o FIPRESCI e o Grande Prêmio do Júri.

Portanto, o Novo Cinema Alemão foi o grande responsável pela renovação da linguagem cinematográfica do país e pelo surgimento de novos e talentosos cineastas, que levaram os filmes alemães a conquistarem cada vez mais público e prestígio no mundo inteiro.

Cena de 'O Tambor' (1979), de Volker Schlondorff, que é baseado em livro do escritor alemão Gunter Grass.

Lista de Filmes!

1) O Jovem Torless (Volker Schlondorff; 1966);

2) Despedida de Ontem (Alexander Kluge; 1966);

3) Mahlzeiten (Edgar Reitz; 1967);

4) Der sanfte Lauf (Haro Senft; 1967);

5) Sinais de Vida (Werner Herzog; 1968);

6) Os Artistas sob a Cúpula do Circo (Alexander Kluge; 1968);

7) O Amor é Mais Frio Que a Morte (R.W. Fassbinder; 1969);

8) Summer in the City (Wim Wenders; 1970);

9) Os Anões Também Começaram Pequenos (Werner Herzog; 1970);

10) Fegefeur (Haro Senft; 1971);


Cena de 'Alemanha, Pálida Mãe' (1980), da diretora Helma Sanders-Brahms.

11) O Comerciante das Quatro Estações (R. W. Fassbinder; 1972);

12) O Medo do Goleiro Diante do Pênalti (Wim Wenders; 1972);

13) Ludwig (Hans-Jurgen Syberberg; 1972);

14) As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (R. W. Fassbinder; 1972);

15) Aguirre, a Cólera de Deus (Werner Herzog; 1972);

16) Trabalhos Ocasionais de uma Escrava (Alexander Kluge; 1973);

17) Alice nas Cidades (Wim Wenders; 1974);

18) O Medo Consome a Alma (R. W. Fassbinder; 1974);

19) Martha (R. W. Fassbinder; 1974);

20) O Enigma de Kaspar Hauser (Werner Herzog; 1974);

Cena de 'Os Anos de Chumbo' (1981), dirigido por Margarethe von Trotta e cujo tema é a luta armada, que foi promovida pela 'Fração do Exército Vermelho' na Alemanha Ocidental durante os anos 1970.

21) Movimento em Falso (Wim Wenders; 1975);

22) O Direito do Mais Forte à Liberdade (R. W. Fassbinder; 1975);

23) A Honra Perdida de Katharina Blum (Volker Scholondorff e Margarethe von Trotta; 1976); 

24) No Decurso do Tempo (Wim Wenders; 1976);

25) Goldflocken (Werner Schroeter; 1976);

26) Coração de Cristal (Werner Herzog; 1976);

27) Roleta Chinesa (R. W. Fassbinder; 1976);

28) Stunde Null (Edgar Reitz; 1977);

29) Stroszek (Werner Herzog; 1977);

30) O Amigo Americano (Wim Wenders; 1977);

Cena de 'Fitzcarraldo' (1982), de Werner Herzog, no qual um navio foi transportado sobre uma montanha.

31) Hitler, um Filme da Alemanha (Hans-Jurgen Syberberg; 1977);

32) Alemanha no Outono (Vários: Fassbinder, Kluge, Reitz, Scholondorff; 1978);

33) Num Ano de 13 Luas (R. W. Fassbinder; 1978);

34) Nosferatu: O Vampiro da Noite (Werner Herzog; 1979);

35) O Casamento de Maria Braun (R. W. Fassbinder; 1979);

36) A Terceira Geração (R. W. Fassbinder; 1979);

37) Woyzeck (Werner Herzog; 1979);

38) Alemanha, Pálida Mãe (Helma Sanders-Brahms; 1980);

39) Berlin Alexanderplatz (R. W. Fassbinder; 1980);

40) Lili Marlene (R. W. Fassbinder; 1981);

Cena de 'Paris, Texas' (1984), de Wim Wenders, é um clássico do Cinema contemporâneo e que contou com Nastassja Kinski,  Harry Dean Stanton e Dean Stockwell como protagonistas.
 
41) Lola (R. W. Fassbinder; 1981);

42) Os Anos de Chumbo (Margarethe von Trotta; 1981);

43) O Desespero de Veronika Voss (R. W. Fassbinder; 1982);

44) Fitzcarraldo (Werner Herzog; 1982);

45) Querelle (R. W. Fassbinder; 1982);

46) O Estado das Coisas (Wim Wenders; 1982);

47) Onde Sonham as Formigas Verdes (Werner Herzog; 1984);

48) Paris, Texas (Wim Wenders; 1984);

49) Rosa Luxemburgo (Margarethe von Trotta; 1986);

50) Asas do Desejo (Wim Wenders; 1987);

Cena de 'Hannah Arendt' (2012), dirigido por Margarethe von Trotta e que conta com a excepcional atriz polonesa Barbara Sukowa no papel principal.

51) Cobra Verde (Werner Herzog; 1987);

52) Apfelbaume (Helma Sanders-Brahms; 1992);

53) Tão Longe, Tão Perto (Wim Wenders; 1993);

54) O Céu de Lisboa (Wim Wenders; 1994);

55) A Promessa (Margarethe von Trotta; 1994);

56) Buena Vista Social Club (Wim Wenders; 1999);

57) Meu Melhor Inimigo (Werner Herzog; 1999);

58) As Mulheres de Rosenstrasse (Margarethe von Trotta; 2003);

59) Notícias da Antiguidade Ideológica (Alexander Kluge; 2008);

60) Hannah Arendt (Margarethe von Trotta; 2012).

Yella Rottlander, Wim Wenders, Lisa Kreuzer e Rudiger Vogler no Festival de Berlim de 2015, ano em que o cineasta recebeu um Urso de Ouro honorário. Yella, Lisa e Rudi trabalharam com Wenders no belíssimo 'Alice nas Cidades' (1974). 

Links:

Texto sobre a trajetória de Wim Wenders:
https://www.dw.com/pt-br/wim-wenders-até-o-fim-do-mundo/a-1677742

Texto sobre os 50 anos do início do Novo Cinema Alemão:
https://www.dw.com/pt-br/novo-cinema-alemão-comemora-50-anos/a-15787565

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