Os 15 filmes da fase Maoísta e do Grupo Dziga Vertov da carreira de Godard!

Os 15 filmes da fase Maoísta e do Grupo Dziga Vertov da carreira de Godard! - Marcos Doniseti!

Box do período 'Dziga Vertov Group' que contém 9 filmes e um comercial para TV e que conta com 5 discos, além de vários extras. Estes filmes ficaram praticamente inacessíveis para o público por muitos anos, mas ultimamente eles foram redescobertos e reavaliados, reconhecendo-se a importância dos mesmos.

1) Sympathy for the Devil/One Plus One (JL Godard; 1968; 97 minutos)!


Filme que foi realizado em 1968, no Reino Unido, e que conta com a participação dos The Rolling Stones. 

Além disso, temos cenas de Anne Wiazemsky (atriz e esposa de Godard) fazendo pichações de caráter político e ideológico por toda a Londres, enquanto um grupo de atores britânicos recita trechos de textos de líderes dos Black Panthers (Eldridge Cleaver) e um pequeno burguês, dono de uma livraria, faz a leitura de trechos de 'Mein Kampf', de Hitler.

Um narrador também lê o conteúdo de um livro com uma história pornográfica envolvendo os principais líderes políticos da época, como De Gaulle, Nixon, Kissinger, Brejnev, Tito, Fidel, entre outros. 

O filme conta com duas versões, que são a de Godard e as dos produtores (Iain Quarrier e Michael Pearson). Na versão do cineasta a música dos Stones não é concluída, pois para o cineasta francês uma obra de arte nunca termina, enquanto que na versão dos produtores nós vemos a música finalizada. Esta situação gerou um conflito entre Godard e os produtores;

Glauber Rocha em cena de 'Vento do Leste', expressão que se refere ao fato de que a onda revolucionária da época vinha do Oriente, da China Maoísta, ou seja, do Leste. Glauber Rocha participou do filme de Godard, que foi realizado na Itália, onde o cineasta brasileiro se encontrava na época. Gorin disse que Glauber varava as madrugadas dando verdadeiras aulas, para ele e para Godard, a respeito do Tropicalismo.


2) Le Gai Savoir (JL Godard; A Gaia Ciência; 1968; 92 minutos)!

Filme feito sob encomenda do canal de TV francês ORTF e que conta com a participação de Jean-Pierre Léaud e de Juliet Berto. Eles ficam no estúdio conversando e fazendo inúmeras reflexões sobre o próprio ato de criação cinematográfica e que estão relacionadas com as lutas políticas e sociais do período (Maio de 68).

O filme começou a ser feito por Godard antes das manifestações do Maio de 68 francês, mas as filmagens foram finalizadas depois que elas há haviam terminado; 

3) Ciné-tracts (C.Marker; Godard; Gorin; Resnais; Garrel; 1968; 75 minutos)!

Filmado com câmeras portáteis de 16mm durante as manifestações do Maio de 68 francês e que reúne material de nove cineastas, incluindo Chris Marker, Godard, Alain Resnais, Philippe Garrel e Jean-Pierre Gorin. Godard filmou os segmentos de número 01, 7 a 10, 12 a 16, 23 e 40.

As filmagens eram feitas com câmeras portáteis de 16mm que permitiam filmar e editar o material.

 

Godard e Gorin na época do Grupo Dziga Vertov, que existiu entre 1968 e 1972. O GDV tentou romper os laços com a indústria cinematográfica, produzindo e exibindo os filmes, que se destinavam a operários e estudantes militantes, com o objetivo de conscientizar e mobilizar os mesmos para um projeto de Revolução Socialista. Os filmes também possuíram um forte teor experimental, o que era feito tanto com as imagens, quanto com os sons.

4) Um Filme Como os Outros (JL Godard; 1968; 107 minutos)!

Este filme foi realizado por Godard logo após as manifestações do Maio de 68 francês e reúne alguns operários e estudantes que debatem sobre os motivos do fracasso do movimento revolucionário e sobre como seria possível retomar as lutas conjuntas entre operários e estudantes. 

Eles também debatem sobre as suas condições de vida e de trabalho e não vemos os rostos dos operários e estudantes, que estão sentados em um terreno localizado ao lado de uma fábrica da Renault.

No filme nós também vemos muitas das filmagens que foram feitas por Godard durante o Maio de 68 como parte do projeto coletivo de Chris Marker (ver 'Ciné-tracts'), que eram filmetes de apenas três minutos de duração, que eram feitos em câmeras portáteis de 16mm e que permitiam fazer a edição na própria câmera;


5) One A.M./One P.M. (JL Godard, D.A. Pennebaker e Richard Leacock; 1968-1971; 78 minutos)!

Este filme foi planejado e realizado, em Outubro e Novembro de 1968 por Godard, nos EUA, em regime de colaboração com os documentaristas estadunidenses D. A. Pennebaker e Richard Leacock, mas ele ficou inacabado. 

Godard filmou muito material para uma produção sobre a emergente Nova Esquerda dos EUA, entrevistando o líder estudantil Tom Hayden e também Eldridge Cleaver, um dos principais líderes dos Black Panthers, mas ele retornou para a França antes de editar o material quando percebeu que a Revolução que acreditava ser iminente nos EUA não iria acontecer.

Em 1971, cobrado pela PBS, sucessora do canal de TV público que encomendou o filme, D. A. Pennebaker o finalizou, acrescentando algumas cenas e editando o vasto material filmado por Godard. 

Entrou para a história o 'show' de 7 minutos do grupo de Rock Psicodélico Jefferson Airplane sobre o topo de um edifício de Nova York (Hotel Schuyler), em uma fria manhã de 19/11/1968, ideia que seria copiada pelos Beatles três meses depois. 

Daí, depois que finalizou o filme, Pennebaker mudou o nome do mesmo de 'One American Movie' (One A. M.) para 'One Parallel  Movie' (One P.M.), o que levou Godard a brincar com ele, dizendo que o filme, de fato, se chamava 'One Pennebaker Movie';

Brian Jones e Godard conversam na época das filmagens de 'One Plus One'/'Sympathy for the Devil' (1968).


6) Amor e Raiva (Godard, Pasolini, Bertolucci, Bellocchio, Lizzani e Elda Tattoli; 1969; 102 minutos)!

Este filme foi fruto de um projeto coletivo, no qual temos segmentos independentes que foram filmados por Godard (segmento "L'Amore") e por mais cinco cineastas italianos, incluindo Carlo Lizzani, Bernardo Bertolucci, Pier Paolo Pasolini, Marco Bellocchio e Elda Tattoli. 

O segmento de Bertolucci é uma teatralização feita pelo grupo 'The Living Theatre', de Julian Beck. Já o segmento Bellocchio mostra, em uma aula filmada com grande grau de ironia e sarcasmo, os motivos dos conflitos entre os estudantes e os professores universitários da época. 

As histórias estão, de alguma forma, intimamente relacionadas com os movimentos políticos e sociais da época. 


7) Pravda (JL Godard; JH Roger e Paul Burron; 1969; 58 minutos)!

Filmado na então Tchecoslováquia, em Março/Abril de 1969 por Godard, Jean-Henri Roger e Paul Burron. Eles fazem uma análise da situação do país sob a perspectiva do Maoísmo, atacando tanto o governo da URSS, quanto o dos EUA e o da própria Tchecoslováquia.

No filme vemos cenas do cotidiano da população do país em suas fábricas, pequenas propriedades rurais, universidades e temos entrevistas com operários, camponeses e estudantes. Também temos uma pequena entrevista com Vera Chytilová, uma das principais cineastas da chamada 'Nova Onda Tchecoslovaca'.

Cena de 'Vladimir e Rosa' (1970), filme no qual vemos um grupo de jovens vivendo em uma comunidade, algo que se tornou bastante comum no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.


8) British Sounds (JL Godard e JH Roger; 1969; 52 minutos)!

Este filme foi realizado no Reino Unido em Junho de 1969 e no mesmo vemos comentários sobre o cenário político e social britânico do período. O filme foi dividido em seis segmentos e que tratam de temas como a exploração da classe operária no Capitalismo, o Feminismo, a Guerra do Vietnã, a ação dos estudantes e a visão das forças reacionárias sobre a situação da época. 

Assim, em um dos segmentos nós vemos operários de uma indústria automobilística debatendo sobre a situação da classe trabalhadora britânica, fazendo inúmeras críticas aos mecanismo por meio dos quais eles eram explorados pelos Capitalistas, bem como chamam a atenção para o fato de que não existia, de fato, um partido comunista de caráter revolucionário no país. 

Também vemos uma jovem nua que circula por uma casa, enquanto a líder feminista britânica Sheila Rowbotham faz a leitura de um texto de sua autoria a respeito da situação das mulheres britânicas, que eram exploradas tanto na condição de trabalhadoras (pelos capitalistas), como na condição de mulheres (pelos maridos).

Cena de 'One Parallel Movie' (1968-1971): Grace Slick canta em 'show' do Jefferson Airplane sobre o topo de um edifício de Nova York e que aconteceu em uma fria manhã de 19/11/1968. Alguns meses depois os Beatles copiaram a ideia de Godard.

9) Vento do Leste (JL Godard e Jean-Pierre Gorin; 1970; 93 minutos)!

Filme realizado na Itália por Godard e Gorin e que se propunha a ser um 'Faroeste Revolucionário' e que foi marcado por muitas discussões entre os diferentes segmentos políticos e ideológicos que formavam o Grupo Dziga Vertov, que eram os comunistas tradicionais ligados aos PCs europeus (Gian Maria Volonté), maoístas (Godard, Gorin, Roger) e anarquistas libertários (Daniel Cohn-Bendit).

Godard e Gorin tiveram que assumir o controle da situação para finalizar o filme, pois as discussões entre os membros eram intermináveis.

O filme conta com a participação de Gian Maria Volonté, Anne Wiazemski e também tem uma pequena participação de Glauber Rocha, que expõem uma visão diferente daquela que era defendida por Godard a respeito de como o Cinema deveria ser usado para levar adiante um projeto revolucionário.

Este filme foi o primeiro que resultou da colaboração direta entre Godard e Gorin, que irá durar até 1972, quando finalizaram 'Letter to Jane', que foi o último filme realizado por eles;

Cena de 'British Sounds' (1969) no qual um locutor de TV expõem ideias tipicamente reacionárias, defendendo a Guerra do Vietnã e a repressão contra os movimentos sociais (de jovens, mulheres, negros). Qualquer semelhança com certos líderes políticos atuais não é mera coincidência.

10) Lutas Ideológicas na Itália (JL Godard e JP Gorin; 1970; 60 minutos)!

Apesar do nome, ele foi filmado no apartamento de Godard e Anne Wiazemsky, em Paris, em 1970, e também conta com algumas cenas filmadas em fábricas na Itália. O filme mostra a evolução política e ideológica de uma jovem estudante universitária italiana (Paola Taviani) que militava no grupo de Extrema-Esquerda 'Lotta Continua' e que faz uma autocrítica a respeito das suas atividades como militantes. 

Gorin disse que o filme foi feito para tirar as pessoas da passividade em que se encontravam, pois os filmes do Grupo Dziga Vertov atraíam muitas pessoas em suas exibições, mas eram poucos os que se mobilizaram e se organizaram politicamente em função dos mesmos. 

11) Até a Vitória (JL Godard; JP Gorin; 1970; inacabado)!

Este filme foi feito por Godard e Gorin na Jordânia, Síria e Líbano, a pedido da OLP e com dinheiro da Liga Árabe, mas o mesmo ficou inacabado, devido ao Massacre de Setembro de 1970 que foi promovido pelo governo jordaniano contra os líderes e militantes Palestinos que viviam no país, onde o filme estava sendo realizado.

Posteriormente, Godard incluiu muitas das cenas deste filme em uma produção posterior, que foi 'Ici et Ailleurs' (Aqui e em Qualquer Lugar; 1976), onde faz, junto com Anne-Marie Miéville, uma análise crítica da sua atuação política na sua fase Maoísta e durante a qual ele integrou o Grupo Dziga Vertov (1968-1972);

Cena de 'Tudo vai Bem' (1972), penúltimo filme da fase Dziga Vertov de Godard e Gorin e que contou com a participação de Yves Montand e Jane Fonda.

12) Vladimir e Rosa (JL Godard e JP Gorin; 1970; 96 minutos)!

Nesta produção é feita uma reconstituição do julgamento dos 'Sete de Chicago', ou seja, de líderes da Nova Esquerda dos EUA que participaram das manifestações que aconteceram durante a Convenção Nacional do Partido Democrata, que ocorreu em Chicago em Agosto de 1968, e que resultaram em grandes conflitos de rua envolvendo manifestantes e policiais.

Também temos cenas nas quais se discute a situação das mulheres, que eram explorados pelos capitalistas e também por seus maridos. Também discute-se a situação das mulheres negras que, além disso, também são exploradas devido à cor da pela. 

O filme denuncia que a Justiça seria uma mera extensão do poder da Burguesia, que utiliza as Leis, a Polícia e o sistema prisional para reprimir os segmentos da população que se rebelam, de forma individual ou coletiva, contra a exploração sofrida na sociedade Capitalistas. 

O filme foi realizado para conseguir dinheiro a fim de finalizar o 'Até a Vitória', mas o 'Massacre de Setembro' promovido pelo governo da Jordânia impediu que o filme sobre a luta dos Palestinos fosse concluído. 


13) Tudo vai Bem (JL Godard e JP Gorin; 1972; 96 minutos)!

Filme que procurar retratar e criticar a situação política e social francesa no ano de 1972, mostrando a evolução do país desde o Maio de 68, e que conta com a participação de Jane Fonda e Yves Montand.

Temos duas histórias no filme, sendo que uma delas envolve o relacionamento de um casal de intelectuais de Esquerda, Jacques (interpretado por Yves Montand) e Suzanne (interpretada por Jane Fonda). Eles tem uma entrevista marcada com o dono de uma indústria de laticínios, mas quando chegam na empresa ela está sob o controle dos operários, que iniciaram uma greve e ocuparam o local. 

Os operários
mantém o patrão preso dentro da empresa, aproveitando para submeter o mesmo a situações semelhantes àquelas que os próprios trabalhadores enfrentam em seu cotidiano na empresa;


Cena de 'British Sounds' (1969) na qual estudantes universitários maoístas britânicos fazem versões politizadas de músicas dos Beatles e produzem cartazes de teor ideológico. Os filmes do Grupo Dziga Vertov eram voltados, prioritariamente, para convencer estudantes e operários a se unirem com o objetivo de levar adiante um projeto de Revolução Socialista inspirado nos ideais Marxistas e Maoístas.


14) Letter to Jane (JL Godard e JP Gorin; 1972; 52 minutos)!

Filme no qual Godard e Gorin realizam um dura análise do uso de imagens da Guerra do Vietnã por parte da Mídia ocidental, em especial de uma fotografia de Jane Fonda, no Vietnã do Norte, e na qual ela aparece ouvindo um norte-vietnamita falar. 

A matéria foi publicada pela revista francesa "L'Express" como parte de uma matéria fotográfica sobre a guerra feita pela publicação. Eles demonstram, de forma detalhada, de que maneira a viagem foi manipulada pela imprensa ocidental. 

O filme foi muito elogiado por Susan Sontag, que escreveu um ensaio sobre o mesmo, considerando-o como a melhor análise já realizada sobre uma fotografia. O ensaio foi publicado em seu livro 'Sobre Fotografia';

15) Ici et Ailleurs (JL Godard e Anne-Marie Miéville; 1976; 53 minutos)!

Filme no qual Godard e Anne-Marie Miéville, esta em especial, fazem uma análise crítica da fase maoísta do cineasta franco-suíço e que inclui muito material do inacabado 'Até a Vitória' (1970), filme sobre a luta dos Palestinos. 

Essa verdadeira autocrítica da parte de Godard foi importante para que ele pudesse recomeçar a sua carreira, fazendo inúmeros trabalhos, sendo que muitos foram em colaboração com a própria Anne-Marie. 

O filme foi realizado quando o Grupo Dziga Vertov não existia mais, pois o mesmo encerrou as suas atividades em 1972.
 
Cena de 'Até a Vitória' (1970), filme que Godard e Gorin fizeram sobre a luta dos Palestinos e que ficou inacabado devido ao 'Massacre de Setembro' promovido pelo governo da Jordânia neste mês de 1970.

Links:

Grupo Dziga Vertov: Fazer filmes politicamente e não apenas filmes políticos:
https://ciclosdacinemateca.wordpress.com/2018/04/27/fazer-filmes-politicamente-o-grupo-dziga-vertov/

Grupo Dziga Vertov e a sua produção:
https://www.dn.pt/lusa/maio-de-68-godard-o-grupo-dziga-vertov-e-a-decisao-de-fazer-filmes-politicamente-9316360.html

Filmes:

'Letter to Jane' (legendado em Português; na íntegra):
https://vimeo.com/21649449

'British Sounds' (legendas em italiano; na íntegra):

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