'Lost in Translation' - Uma bela história de amor existencialista, com tons de comédia, que é contada por meio de músicas, imagens, gestos e olhares!

'Lost in Translation' - Uma bela história de amor existencialista, com tons de comédia, que é contada por meio de músicas, imagens, gestos e olhares! - Marcos Doniseti!

Leia o texto na íntegra e saiba porque o final 'aberto' é uma ilusão!

'Lost in Translation' (Sofia Coppla, 2003) é um belíssimo filme romântico existencialista e que privilegia as imagens, trocas de olhares e os gestos para transmitir os sentimentos e as emoções dos protagonistas (Bob e Charlotte). As palavras ficaram em segundo plano.

Haicais de Jack Kerouac!

'Nenhum telegrama hoje 

      - Nada a não ser

Mais folhas caídas';

 

'O pequeno pardal 

       na beira da calha

Olha ao redor';

 

'2 caixeiros viajantes

        cruzam-se 

Em uma estrada do oeste';


'A Brisa Ensolarada 

       chegará a mim 

Já'.

Obs: Do 'Livro de Haicais', de Jack Kerouac. Tradução de Claudio Willer. L&PM Editores, Edição Bilíngue; 2013; 300 páginas.

Sinopse!

Sofia Coppola, com o Oscar de Melhor Roteiro Original conquistado pelo filme, Bill Murray, na grande interpretação de sua carreira, e Scarlett Johansson, uma bela e talentosa jovem que despontava para o estrelato.

Bob Harris é um ator de meia idade cuja carreira no cinema decaiu, tendo sido esquecido pela indústria do cinema, e que aceitou um contrato para fazer propaganda de uma marca de uísque japonesa (Suntory) em troca de US$ 2 milhões. 

Assim, ele vai até o Japão para cumprir o contrato, mas chegando ao país ele se sente inteiramente deslocado, pois não consegue se comunicar com os japoneses, nem mesmo quando tudo é traduzido. 

Bob também vive entediado e com insônia, devido ao fuso horário, e passa as madrugadas assistindo a TV (que no Japão a programação também é um lixo...) e indo ao bar do hotel no qual está hospedado. Ele também sabe que o seu casamento está acabado e tem uma existência vazia.

No bar, Bob acaba conhecendo uma bela jovem, Charlotte, que acabou de se formar em filosofia, mas que ainda não sabe qual o rumo profissional que irá seguir, sendo que o seu casamento também vai muito mal, embora ainda esteja no início. Ela também teme pelo seu futuro.

Eles passam as madrugadas bebendo, fumando, conversando, contando suas histórias de vida e dando risadas. Com o tempo fica claro que os seus casamentos fracassaram e, aos poucos, desenvolve-se, entre os dois, uma relação de intimidade que fará com que acabem se apaixonando. 

Desta maneira, eles enfrentarão um dilema existencial: Afinal, vale a pena correr o risco, encerrar os relacionamentos fracassados com os seus atuais parceiros e começar um novo? A resposta será dada apenas na cena final, com um sussurro que mal conseguimos ouvir. 

'Lost in Translation' - Uma história de amor marcada pelo Existencialismo!

Afinal, o que foi que Bob disse para Charlotte?

O filme 'Lost in Translation', dirigido por Sofia Coppola, possui um dos mais belos finais que o cinema produziu nas últimas décadas. E o mesmo ainda gerou muito debate a respeito do que foi exatamente que o Bob (Bill Murray) falou para a Charlotte (Scarlett Johansson) quando sussurrou no ouvido dela, pouco antes de se despedirem. 

Em várias entrevistas a cineasta Sofia Coppola foi questionada a respeito do que o Bob falou para a Charlotte no final de 'Lost in Translation'. Ela disse que gostou da resposta dada pelo Bill Murray: É algo que se relaciona com pessoas que estão apaixonadas.

Ainda bem que ela não contou, pois esse é o tipo de cena que não se deve explicar, pois cada espectador deve encontrar a sua própria interpretação conforme aquilo que compreendeu do filme.

Porém, depois de assistir ao filme duas vezes, a minha conclusão é que aquilo que o Bob disse para Charlotte é bem simples. Ele disse que o relacionamento deles não terminou e que eles voltarão a se encontrar, em algum momento, em breve, seja ali em Tóquio ou em qualquer outra cidade, quando já estiverem separados de seus respectivos cônjuges.

Essa conclusão é baseada na própria maneira como a história romântica de Bob e Charlotte se desenvolveu e no que ocorreu um pouco antes daquele sussurro. Mais adiante irei explicar, de maneira mais detalhada, o motivo de ter chegado à essa conclusão.

A cena de abertura de 'Lost in Translation' é uma reprodução do quadro 'Jutta' (1973), de autoria de John Kacere. A trilha sonora do filme é fantástica, com a bela e famosa sequência final, quando toca 'Just Like Honey', do Jesus and Mary Chain.

Afinal, como eles poderiam deixar de continuar a viver juntos aquele amor que aflorou naturalmente depois de alguns dias de convivência naquela Tóquio ultra moderna e ultra tecnológica e na qual não conseguiam se comunicar com ninguém, pois nenhum deles dominava o idioma japonês?

E mesmo quando alguém tentava traduzir algo, eles se perdiam nas traduções (daí o título do filme), principalmente quando o Bob foi gravar as propagandas do whisky, pois ele percebia que nem tudo que era falado pelos japoneses era devidamente traduzido. 

E em um momento anterior ao sussurro, Bob falou para a bela Charlotte que ele não queria ir embora. Ela respondeu que, neste caso, ele deveria ficar ali, junto com ela... Ela inclusive brinca, dizendo que eles poderiam formar uma banda de Jazz.

Aliás, sobre a dificuldade de comunicação, é bom ressaltar que o título do filme, em uma tradução literal, é 'Perdidos na Tradução', ou seja, ele se relaciona com essa incapacidade de compreender o que o outro diz, mesmo depois que uma tradução é feita, pois sempre se perde algo quando se traduz. 

E as palavras ditas até podem ser semelhantes, independente das línguas nas quais são expressas, mas o sentido delas também pode acabar sendo muito diferente. Esse tema, aliás, foi brilhantemente trabalhado por Godard em sua obra-prima 'Le Mépris' (O Desprezo; 1963).

Bob Harris sentia-se perdido, triste e solitário, nessa Tóquio ultra moderna e hiper tecnológica. Até que ele conheceu a bela, bem humorada e inteligente Charlotte...

Durante a gravação do comercial para uma marca de uísque (Suntory...) Bob percebe que o diretor fala por bastante tempo, lhe passando orientações, mas a tradutora faz apenas um resumo do que foi dito. E quando Bob também tenta se comunicar com outros japoneses, como ocorre na cena do hospital, ele também não compreende nada, o que leva duas mulheres que veem ao 'diálogo', meio constrangidas, a dar risada. 

Além disso, este belo filme de Sofia Coppola remete a toda uma produção cinematográfica que já tratou desse tema, ou seja, a dificuldade que as pessoas tem para conseguir se comunicar e se compreender, como foram os casos de muitos filmes de Antonioni e de Godard, por exemplo. 

O filme 'A Aventura' (1960), de Antonioni, em especial, já possuía elementos que Sofia também trabalha em seu filme. Aliás, ela mesma afirmou que assistiu 'A Aventura' como forma de se preparar para realizar 'Lost in Translation'. Ela também disse que 'A Doce Vida', de Fellini, e 'Roman Holiday', de William Wyler, também fizeram parte dessa preparação.

Exemplo disso é que, no filme de Antonioni também temos o início de um romance entre uma mulher, Claudia (Monica Vitti), e um homem, Sandro (Gabriele Ferzetti), que haviam acabado de se conhecer. A principal diferença entre eles é que no filme de Antonioni o casal tem bastante contato físico e discute muito sobre a relação, o que não ocorre no filme de Sofia.

Antonioni (já falecido) e Godard (vivo e ainda produzindo) são dois cineastas que exerceram uma imensa influência sobre a obra da geração chamada de 'Nova Hollywood', da qual o pai de Sofia, o grande Francis F. Coppola, foi um dos principais representantes. Esse geração também inclui outros nomes consagrados como Steven Spielberg, George Lucas, Martin Scorsese, Paul Schrader, Peter Bogdanovich, William Friedkin, entre outros.

A recém casada Charlotte sentia-se solitária e entediada na Tóquio super moderna do século XXI. Até que ela conheceu Bob Harris...

E o título nacional, 'Encontros e Desencontros', também é muito bom, pois temos muitos encontros e desencontros no filme, sim, o que é resultado da incapacidade das pessoas de se comunicarem, de estabelecerem uma conexão mais profunda, sentimental e espiritual, à qual se dá o nome de amor.

Desta maneira, se o título original do filme remete à origem do problema existente e do qual o filme trata, o título nacional se relaciona com os efeitos dessa incapacidade de se comunicar e de se fazer compreender pelo outro.

Logo, o título original não se refere apenas à incapacidade dos protagonistas de se comunicarem com os japoneses, que são um povo com uma língua, história e cultura que são bem diferentes daquela que é predominante nos EUA (de onde Charlotte e Bob são originários), apesar do fato de que os japoneses já estão bastante ocidentalizados.

Essa ocidentalização dos japoneses se verifica, por exemplo, nos gostos e preferências deles por música e cultura pop em geral. Os programas de TV japoneses são idênticos aos que são exibidos na TV aberta dos EUA, ou seja, é o mesmo lixo comercial de sempre, que é feito para entreter e emburrecer as pessoas. 

Perdidos no elevador... Essa foi a primeira vez em que Charlotte e Bob se olharam. E já tivemos um sorriso dela, um claro sinal de que algo iria acontecer entre os dois.

Nota-se, também, que a música pop nipônica também reflete os mesmos estilos musicais ocidentais (dos EUA e Grã-Bretanha, em especial): Pop Romântico, Eletrônico, Punk e New Wave, entre outros.

Assim, Sofia mostra que a incapacidade das pessoas de se comunicarem e de estabelecerem relações mais sólidas e duradouras também ocorre mesmo quando os envolvidos pertencem ao mesmo povo, à uma mesma cultura e falam a mesma língua, o que fica claro quando são mostrados os casamentos fracassados de Bob e Charlotte. 

No caso de Bob, basta ver a maneira como ele e a esposa conversam, pelo telefone, para se constatar que não há mais nada que una o casal, a não ser um certo valor e pressão dominantes na sociedade, que desestimula que casais com filhos se separem depois de tantos anos juntos, mesmo quando não há mais nada em comum entre eles. 

Aliás, nem os filhos de Bob o respeitam mais, como fica claro quando ele dá ordens para os mesmos e é ignorado pelos pirralhos. E os filhos é o que o seguram neste casamento com Lydia, como ele deixa claro para Charlotte, reconhecendo que ele e a esposa já foram felizes, mas que isso ocorreu há muitos anos.

Bob Harris tem dificuldades para entender o que o diretor do comercial deseja que ele faça, mesmo com a tradução. Ele também se dá enfrenta dificuldades quando tenta tomar banho, fazer a barba, usar a esteira, remetendo a filmes de Jacques Tati ('O Meu Tio', por exemplo).

Bob também fala, para a esposa, mais para o final do filme, que está completamente perdido, pois ele não sabe o que fazer... Ele está em dúvida se deve ou não pedir o divórcio e iniciar um relacionamento com Charlotte. E Lydia deixa claro que nem sabe sobre o que Bob está falando. A comunicação entre eles está falhando há muito tempo.

E no caso de Charlotte também fica claro que ela já é infeliz com o marido, mesmo sendo casada há apenas dois anos, pois ele somente pensa em seu trabalho, deixando-a inteiramente de lado, o que a leva a ficar horas intermináveis sozinha, olhando de forma vazia, entediada, pela janela, para o espaço urbano de Tóquio à sua frente, refletindo uma solidão e um tédio em estado puro.

E mesmo quando John e Charlotte estão juntos, percebe-se que eles não tem mais nada de importante para dizer, de fato, um para o outro. Ele fala apenas do seu trabalho e ela sempre lhe responde de forma monossilábica quando é questionada sobre algo que se relaciona com o mesmo.

Assim, Charlotte se dá conta de que o seu casamento também já acabou e que ser feliz ao lado de John é algo virtualmente impossível. Ela deixa isso claro quando se despede do marido, que vai ficar afastado por vários dias em função do trabalho fotográfico que foi fazer no Japão. Nesse momento percebe-se que ela irá sentir falta dele, mas ele nem se dá conta disso, porque não está mais estabelecendo uma conexão com a sua jovem esposa.

Afinal, como é que o John poderia perceber isso, se ele nunca está ao lado dela? 

Charlotte sofre e chora, ao telefone, dizendo que não conhece mais o seu marido (John). Ela percebe que o seu casamento está indo ladeira abaixo, embora mal tenha começado.

E quando Charlotte olha para uma fotografia antiga dela e de John, fica claro que ela tem saudades do tempo em que eles eram felizes e desfrutavam de muito mais intimidade. Aquele era um período no qual eles conseguiam se comunicar e se compreender. Mas é claro que a bela Charlotte resiste a aceitar que o seu casamento, que ainda está no início, já fracassou. 

Logo, este é um filme romântico, sim, mas que possui fortes tons existencialistas (tal como ocorre em 'A Aventura', de Antonioni), pois os protagonistas (Bob e Charlotte) estão vivenciando relacionamentos fracassados com os seus parceiros. 

Porém, Bob e Charlotte, apesar de se apaixonarem, estão em dúvida sobre se devem ou não dar um passo adiante e terminar os seus casamentos fracassados.

O sentimento de solidão em que estão mergulhados é que dará início à uma convivência diária de Bob e Charlotte, que tem início durante as madrugadas, no bar do hotel, pois estão sozinhos e nenhum dos dois consegue dormir. Assim, eles acabam se encontrando por ali. 

Depois, isso se expande para saídas conjuntas com amigos japoneses dela (Charlie Brown e seus amigos), onde bebem, cantam e dançam, trocando olhares que já mostravam que o sentiam um pelo outro. Assim, eles mudam totalmente de comportamento. Charlotte mal pensará no marido que viajou e o mesmo acontecerá com Bob em relação à sua esposa. 

E quando o agente de Bob lhe pede para ficar mais alguns dias no Japão, para que possa conceder uma entrevista para a TV japonesa, que seria para o programa do 'Johnny Carson japonês' (o que é uma ironia, é claro), inicialmente ele recusa, mas depois que se vê apaixonado por Charlotte, ele acaba aceitando. O apresentador japonês, de fato, é uma espécie de Sérgio Malandro nipônico.

No bar do hotel, Charlotte oferece um drink para o solitário Bob, marcando o início da relação deles...

Bob inicialmente rejeitou a entrevista, pois não conseguia se entender com ninguém no Japão, mesmo quando as falas eram traduzidas, sentia-se totalmente entediado e deslocado, o que o levava a ficar horas seguidas no bar do hotel em que está hospedado, para fazer o tempo passar. E o mesmo acontecia com Charlotte, que preenchia o tempo indo ao bar, nadar ou assistindo TV.

Logo, fica claro que, nos casamentos dos dois, somente o passado é que foi bom. Para o homem maduro e de meia-idade que é Bob somente existem boas lembranças em um passado remoto, enquanto que para a jovem Charlotte o futuro que lhe está reservado é muito semelhante ao presente que Bob vivencia.

Daí, Bob e Charlotte decidem se esquecer de ambos, pelo menos durante aqueles dias memoráveis, para os dois, em Tóquio. Inicialmente, eles apenas fazem companhia um para o outro, mas com o tempo eles começam a gostar disso, passando a se sentir bem com isso.

Bob também quer esquecer e se libertar de um passado que o prende à sua esposa (ele diz para Charlotte que está tirando férias da esposa...) e filhos que sequer gostam ou sentem falta dele, mas que já acabou. Enquanto isso, a bela Charlotte quer evitar um futuro que, ela sabe, será marcado pela solidão, melancolia e infelicidade com um marido que a deixa, sempre, em segundo plano e que sequer percebe o que ela está sentido.

E todos os sentimentos de Bob e Charlotte são mostrados sem que tenhamos qualquer traço de romantismo mais explícito. Em nenhum momento dessa bela história de amor eles dizem 'eu te amo' para o outro, pelo menos não com o uso de palavras.

O amor aflora naturalmente entre Bob e Charlotte (como sempre acontece em todos os verdadeiros casos de amor) e isso é mostrado por meio de olhares e gestos, sem o uso de palavras. A maneira como se olham e os gestos que usam para se comunicar já expressam tudo o que eles estão sentindo e, nestes momentos, as palavras tornam-se inteiramente desnecessárias. 

Antonioni, Godard e Sofia Coppola!

Cena da obra-prima 'A Aventura' (1960), de Michelangelo Antonioni, filme que também mostra uma história de amor de tons Existencialistas, tal como ocorre em 'Lost in Translation' (2003). No filme de Antonioni não temos os momentos mais leves que estão presentes em 'Lost in Translation'.

Em 'Viver a Vida' (1962), um filme muito influenciado pela obra de Antonioni, Godard fez um filme onde basicamente não acontece nada e no qual os personagens falam e conversam bastante, o tempo inteiro, pois estão tentando estabelecer uma comunicação entre eles. E quando isso finalmente ocorre, entre Nana (personagem de Anna Karina) e um cliente, acontece a tragédia. 

Assim, Godard era pessimista sobre a possibilidade das pessoas conseguirem se comunicar e desfrutarem de verdadeiros momentos de amor e de intimidade. Enquanto isso, Antonioni acreditava que era possível vivenciar por momentos assim, mas com muitos percalços e decepções, pois os seres humanos são fracos e não resistem às tentações. 

Isso ocorre, por exemplo, com Sandro em 'A Aventura' e também com Bob em 'Lost in Translation'. Ambos se envolvem com outra mulher, apesar de estarem apaixonados por Claudia (Sandro) e Charlotte (Bob).

E sobre o filme de Godard, Truffaut declarou o seguinte: “Há filmes que se admira, mas que são desencorajadores: qual é o sentido de continuar depois deles, etc. Esses não são os melhores, porque os melhores dão a impressão de abrir portas, ou de começar de novo, com elas. 'Vivre sa Vie' está entre eles.”.

Como afirmou Richard Brody, em sua biografia de Godard, 'Viver a Vida' criou um novo estilo cinematográfico, com obras cinematográficas que são marcadas por poucos (ou nenhum...) acontecimentos, mas com muitos diálogos entre os personagens.

John beija a bela Charlotte, sua esposa. Nota-se o distanciamento dos corpos deles, o que deixa claro que não havia mais tanta intimidade entre o casal.

Muitos cineastas, depois, adotaram esse estilo, total ou parcialmente, em seus filmes, como são os casos de Eric Rohmer e Tarantino (vide 'Cães de Aluguel', de 1992), por exemplo. Francis F. Coppola, em seu belo 'A Conversação' (1974), também pode ser colocado nessa relação de cineastas influenciados por 'Viver a Vida'. E o mesmo acontece com 'Lost in Translation' (2003).

Comparando com 'Viver a Vida' pode-se afirmar que, em 'Lost in Translation', Sofia Coppola também faz um filme onde não acontece quase nada, no qual os acontecimentos estão excluídos da trama, mas ela seguiu um caminho diferente daquele que vimos na obra-prima de Godard.

Afinal, se em 'Viver a Vida' (1962) o cineasta francês eliminou os acontecimentos da trama e os substituiu por diálogos, Sofia também limou os acontecimentos do seu filme, mas os substituiu por olhares e gestos. É por meio destes que Charlotte e Bob se comunicam e demonstram seu amor um pelo outro. Nada precisa ser dito por palavras. A troca de olhares e os gestos são mais do que suficientes para expressar tudo o que eles estão sentindo pelo outro.

Um exemplo claro disso é quando Charlotte está dormindo e Bob toca os pés da linda jovem. Essa é uma bela e poética maneira de dizer que ele a ama mais do que tudo nessa vida. É uma declaração de amor que é feita sem o uso de palavras ou sequer de troca de olhares. Em um outro belíssimo momento vemos Charlotte colocar a sua cabeça sobre o ombro de Bob, também deixando claro o seu amor por ele. 

Em nenhuma destas cenas é necessário que se diga qualquer coisa. As palavras, nestes momentos, estragariam tudo. Não há necessidade alguma de palavras, pois tudo já foi dito por meio de gestos e olhares.

Charlotte visita uma exposição de ikebana, termo japonês que significa 'Flores Vivas'. Era isso o que ela estava procurando: Sentir-se viva, algo que não acontecia mais na relação com o seu distante marido.

Trilha Sonora é um elemento essencial para se compreender a história de Bob e Charlotte!

Um outro aspecto importante do filme é o uso que Sofia Coppola faz da fantástica trilha sonora (que inclui Jesus and Mary Chain, Roxy Music, Elvis Costello, Sex Pistols, Peaches, My Bloody Valentine, Air...). As músicas são utilizadas para mostrar o desenvolvimento da relação entre Bob e Charlotte. 

Isso ocorre, por exemplo, quando eles cantam as músicas, no karaokê (do Pretenders, Roxy Music...), quando as bandas de jazz estão se apresentando no bar e quando certas músicas da trilha sonora são executadas, principalmente 'Just Like Honey'. 

De fato, essa belíssima música do Jesus and Mary Chain terá uma função essencial no encerramento do filme, sendo fundamental para se compreender como é que o mesmo termina. Portanto, as letras das músicas estão diretamente relacionadas com o relacionamento de Bob e Charlotte. 

Assim, enquanto Charlotte escolhe e canta uma música ('Brass in Pocket', do Pretenders), cuja letra fala de uma mulher que tenta atrair e seduzir o homem que ama (''Porque eu vou fazer você ver; Não há mais ninguém aqui; Ninguém como eu; Eu sou especial, tão especial; Tenho que ter um pouco da sua atenção, dê para mim'), Bob canta 'More Than This' (do Roxy Music), cuja letra fala sobre alguém que está em dúvida sobre o rumo que deve seguir ('Foi divertido por um instante; Não havia maneira de saber; Como um sonho à noite; Quem pode dizer para onde estamos indo?'). 

Bill Murray e Scarlett Johansson (com apenas 18 anos de idade) nos bastidores de 'Lost in Translation'.

Neste aspecto, a música escolhida para encerrar o filme, que é 'Just Like Honey', do Jesus and Mary Chain, também aponta para o fato de que Bob e Charlotte decidiram, sim, abandonar os seus respectivos cônjuges e iniciar uma relação duradoura. 

Afinal, a letra de 'Just Like Honey' diz o seguinte: "Preste atenção à garota; Enquanto ela enfrenta meio mundo; Escalando e tão animada; Em sua colmeia pingando mel; Colmeia; É bom, tão bom, é tão bom; Tão bom".

E a letra continua assim: "Voltar para você; É a coisa mais dura que; Eu posso fazer; Que eu poderia fazer por você; Por você; Eu serei seu brinquedo de plástico".

Assim, entendo que fica claro que Bob voltou para Charlotte. Afinal, eles já haviam se despedido, anteriormente, no lobby do hotel. 

Quando, logo depois, ele sai da limusine e vai ao encontro dela, no meio da multidão, ele a abraça, sussurra algo no ouvido dela e a beija, tudo isso marca A VOLTA dele para Charlotte. 

Bob, feliz e sorridente, algo raro na história, depois que combinou com Charlotte que a relação deles teria continuidade.

Bob e Charlotte - A Despedida e a Volta! 

A maneira como toda essa sequência final é desenvolvida é muito mais complexa do que aparenta ser e tudo aponta para o fato de que a relação de Bob e Charlotte não terminou em Tóquio e que terá continuidade.  

Nessa sequência final de 'Lost in Translation' a talentosa Sofia Coppola criou uma verdadeira poesia visual e na qual todos os elementos que ela usou durante todo o filme se combinaram para produzir um final belíssimo: Palavras, toque de mãos, olhares, gestos, letras de músicas, imagens, expressões corporais e faciais de Bob e Charlotte. 

Nesta sequência final, que dura quase 09 minutos, TUDO combina perfeitamente. É uma maravilha de cinema.

Vamos ao passos da mesma:

1 - A sequência começa na cena do bar (aos 87:22 minutos) com o pianista cantando 'Eu estou tão a fim de você'. Logo depois vemos Bob e Charlotte de mãos dadas e se olhando, de forma apaixonada, um para o outro. Este momento dura longos 30 segundos, sem nenhuma palavra sendo dita por eles.

Daí o Bob diz que não quer ir embora e Charlotte o convida para ficar com ela, ali em Tóquio, brincando que poderão formar uma banda de Jazz. Quando este momento no bar termina, o pianista novamente canta 'Eu estou tão a fim de você'. Logo, este momento começa e termina com essa frase, que deixa claro que Bob e Charlotte querem se amar e ficar juntos.

2 - Depois a sequência continua no elevador, quando trocam dois beijos bem leves, meio que constrangidos.

3 - Logo depois passamos para as cenas nos apartamentos dos dois, quando vemos que Bob está pronto para ir embora, mas a cama do apartamento de Charlotte está bagunçada e o casaco dele está quase caindo da mesma, comprovando que ele passou a noite com ela e que eles se amaram.

4 - Vemos, depois, Bob no lobby do hotel, telefonando para Charlotte, no qual ele fala que o seu casaco tinha ficado no apartamento dela.

Bob telefona para Charlotte, pedindo para que ela devolva o casaco dele, pois o mesmo havia ficado no apartamento dela. Ela desce para o lobby do hotel, lhe entrega o casaco e se despedem. Mas a história deles não terminaria aí...

5 - Daí a Charlotte desce para o lobby e os dois se despedem. É ali, no lobby do hotel, que ocorre a despedida dele.

6 - Depois, vemos Bob indo embora na limusine, triste e pensativo, e quando vê Charlotte em meio a multidão ele decide descer da limusine.

7 - Bob vai ao encontro dela em meio à multidão, eles se olham de forma apaixonada, se abraçam (ele a puxa para si), ele sussurra algo no ouvido dela (deixando claro que o relacionamento deles não terminou e ela diz 'ok'), dá outro beijo no rosto dela e eles dizem Bye. 

8 - Bob vai embora, todo feliz e sorridente (algo raro no filme) e o mesmo acontece com Charlotte. Esta também se emociona, ficando com os olhos marejados. É um choro contido de felicidade, pois sabe que a relação não terminou.

9 - Bob entra no carro e sua postura corporal e expressão facial deixam claro que ele tirou um grande peso que estavam sobre os seus ombros. Ele está aliviado, pois criou coragem para fazer o que tanto queria, ou seja, abandonar a esposa e falar para Charlotte que deseja viver com ela.

10 - Logo, Bob voltou para a mulher que ama e o mesmo será 'o brinquedo de plástico dela', tal como diz a letra de 'Just Like Honey'.

Em um momento do filme, Charlotte fica olhando para fotografias que mostram que ela e o marido, John, já tinham desfrutado de muito mais intimidade e que haviam sido muito mais felizes. Mas ele se distanciou dela, o que a levou a concluir que o seu casamento já tinha naufragado.

Final do filme não é aberto! 

Portanto, as músicas que são tocadas no filme ou que são cantadas pelos protagonistas estão diretamente relacionadas com a história da relação de Bob e Charlotte. Essas músicas substituem, durante quase todo o filme, os diálogos entre os dois. Além dos gestos e da troca de olhares, é também por meio das músicas que eles dialogam.

E uma das melhores características do filme é que tudo isso é narrado e realizado de maneira simples, sem qualquer tipo de efeito ou espalhafato. 

E a conclusão do filme é perfeita, sendo totalmente coerente com tudo aquilo que vimos.

Aparentemente, o filme teria um final em aberto, mas eu discordo inteiramente dessa interpretação. O final não ficou em aberto. 

O que aconteceu é que Sofia Coppola optou por um final feliz para Bob e Charlotte, sim, mas ela fez isso com tanta delicadeza, inteligência e sutileza que as pessoas que assistem ao filme pensam que o final ficou em aberto. 

Mas não ficou.

Entendo que Sofia colocou no filme uma série de elementos que, quando devidamente conectados e combinados, permitem concluir que Bob e Charlotte se amaram e que viverão juntos. O final em aberto, sujeito às interpretações dos espectadores e sobre o qual tanto se comenta, é uma mera ilusão. Ele não existe.

Assim, Sofia escolhe, sim, o caminho de um final feliz para Bob e Charlotte, mas ela não faz isso de forma explícita. É tudo muito mais sutil, delicado e inteligente. E isso foi tão bem desenvolvido por ela que muitos dos que assistiram ao filme (a maioria, com certeza) não percebem isso. 

Independente disso, 'Lost in Translation' é sensível, inteligente e belíssimo, contando uma história romântica entre dois seres solitários e infelizes que estão perdidos nesse mundo ultra tecnológico e que não suportam mais viver com os seus respectivos parceiros, mas que possuem dúvidas sobre qual rumo devem tomar. Eles estão procurando por uma nova razão de viver, por algo que os faça se sentir vivos novamente. E daí eles se encontram...

Maravilhoso. 

Conclusão!

No bar do hotel, durante a insônia da madrugada, Bob e Charlotte finalmente conversam, o que ainda não havia acontecido.

Afinal, o que foi que o Bob disse para a Charlotte, sussurrando, na sequência final? Existe um vídeo no Youtube, que foi publicado há quase 10 anos, que mostra que Bob teria dito o seguinte:

"Estou indo embora. Mas não permita que isso nos afaste, ok?". E Charlotte responde 'Ok'. Daí, eles se beijam e vão embora, ambos demonstrando um nítido sentimento de felicidade. Bob abre um largo sorriso (algo raro no filme), enquanto Charlotte vai embora com os olhos marejados, mas sentindo-se muito feliz. 

Independente do vídeo mostrar o que Bob disse ou não, o fato é que a despedida deles não poderia ser definitiva. Eles se conheceram, se apaixonaram (o que aconteceu naturalmente, sem que nenhum deles precisasse forçar a situação) e estabeleceram uma forte conexão sentimental e espiritual durante aqueles poucos dias em que estiveram na Tóquio ultra tecnológica.

Um aspecto interessante do relacionamento deles é que Bob e Charlotte quase não se tocam durante quase todo o filme. Praticamente não temos nenhum contato físico entre os dois, pelo menos até a véspera da despedida deles, isso apesar de não ter faltado oportunidade para que esse contato mais íntimo acontecesse.

O máximo que tivemos, até antes da última noite de Bob em Tóquio, foi um toque de mãos, ou então ela deitando a cabeça sobre o ombro dele, Bob tocando os pés dela, enquanto Charlotte dormia. E os únicos beijos, até antes dessa última noite deles juntos na cidade, foram no elevador, e de forma meio que constrangida, com eles se comportando como se fossem dois adolescentes.

Charlotte sorrindo para Bob já na primeira conversa. E que belo sorriso...

Isso demonstra que o relacionamento de Bob e Charlotte é de um outro tipo, diferente daqueles nos quais a atração física é o principal motivo para a atração. As razões pelas quais Bob e Charlotte sentem-se atraídos, inicialmente, não tem nada a ver com atração física, mas com atração espiritual. A atração física irá existir, mas como consequência dos sentimentos que passaram a existir da parte de ambos.

Assim, eles se sentem muito bem quando tem a companhia do outro. Ficam felizes, joviais, sorriem. E não há mais ninguém com quem eles consigam se sentir desta maneira. Aliás, esta é uma excelente definição de amor. 

Isso explica porque o amor deles se expressa por meio de gestos e olhares, com poucas ou nenhuma palavras, pois o que eles sentem não precisa ser dito. Uma troca de olhar ou um gesto já diz tudo. 

Porém, mais para o final do filme, temos uma sequência muito sugestiva, que deixa claro que Charlotte e Bob fizeram, sim, amor na última noite em que ele ficou em Tóquio.

Logo depois de terem se beijado no elevador, nós vemos a imagem de Bill acordado, de manhã... Temos a imagem da cidade e vemos que o sol já deu as caras. Bob já está pronto para ir embora de Tóquio e está olhando para o relógio. Logo depois aparece a imagem do apartamento de Charlotte. Ela está recebendo um fax do marido, dizendo que ele chegará naquela noite e que está com saudades dela.

Charlotte canta 'Brass in Pocket', do The Pretenders, cuja letra diz 'eu sou especial' e fala de uma mulher que tenta seduzir o homem que ama. Ela canta isso enquanto olha para Bob. É como diz o ditado: Aonde tem fumaça, tem fogo.

E também vemos a cama toda revirada, tudo bagunçado. E um detalhe que chama a atenção é que, do lado direito da imagem, vemos o casaco de Bob quase caindo da cama. E na manhã em que ele foi embora, o que o Bob fez? Telefonou para o apartamento de Charlotte pedindo que ela devolvesse o casaco dele, que o mesmo tinha esquecido ali.

Assim, está comprovado que Bob e Charlotte fizeram amor naquela última noite dele na cidade.

Logo, seria até incoerente com a história que foi mostrada até a sequência final, que o relacionamento deles não tivesse continuidade. E mesmo antes de assistir ao vídeo (ver link abaixo) eu já tinha a convicção de que eles combinaram, naquela sequência final, de que iriam continuar o seu relacionamento. A história deles não terminaria ali.

Assim, Bob e Charlotte retornariam para as suas vidas, providenciariam a separação de seus respectivos cônjuges e, daí, voltariam a ficar juntos. E o relacionamento deles, como disse Vinícius de Moraes, seria infinito enquanto durasse.

Curiosidades!

Charlotte e Bob varavam as madrugadas juntos, ora no bar, ora assistindo TV. Nesta cena eles estão assistindo 'A Doce Vida', obra-prima de Fellini, o que é uma maneira de Sofia Coppola mostrar o referencial cinematográfico (o fantástico cinema italiano) que ela usou para fazer o belo 'Lost in Translation'.

1 - As filmagens duraram 27 dias.

2 - Sofia Coppola disse que o personagem Bob foi feito apenas para ser interpretado por Bill Murray. Se ele não aceitasse, o filme não seria realizado. 

3 - Bill Murray não trabalha com agentes. Ele recebe as ofertas de trabalho por telefone. Sofia enviou centenas de mensagens para o telefone dele (que ela conseguiu com Wes Anderson) até que ele decidiu por responder. Daí eles conversaram e Bill aceitou a oferta, mas apenas verbalmente. 

4 - Sofia e sua equipe já estava em Tóquio há uma semana e ficou preocupada que Bill Murray não aparecia. Porém, Wes Anderson a tranquilizou, dizendo que Bill honraria a sua palavra e faria o filme.

5 - 'Lost in Translation' tornou-se o filme preferido de Bill Murray, entre todos os que ele filmou.

6 - O orçamento total do filme foi de apenas US$ 4 milhões, de baixo orçamento para os padrões dos EUA, e arrecadou US$ 118,7 milhões no mundo inteiro.

Enquanto Charlotte dorme, Bob toca nos pés dela. Uma bela e poética maneira de dizer o quanto ele ama essa maravilhosa mulher. No filme, Sofia dá uma aula de como expressar sentimentos sem usar das palavras. A pieguice passou longe de 'Lost in Translation'.
 

7 - O roteiro do filme foi escrito de maneira a permitir que os atores improvisassem bastante as suas falas, o que Bill Murray fez em várias oportunidades, incluindo a cena final.

8 - O filme contém muitos elementos autobiográficos, expressando o que Sofia sentia em relação ao seu marido (Spike Jonze) na época. Jonze, de certa maneira, respondeu para Sofia fazendo outro filme, que foi 'Her', no qual temos uma mulher virtual cuja voz pertence a Scarlett Johansson e pela qual o protagonista (interpretado por Joaquin Phoenix) se apaixona.

9 - Com 'Lost in Translation' a jovem Sofia Coppola tornou-se a primeira mulher a ser indicada ao Oscar por direção, roteiro e produção no mesmo ano. Ela conquistou o prêmio de Melhor Roteiro Original.

10 - Algumas cenas foram filmadas sem autorização, como aquela em que vemos Charlotte no metrô. A equipe poderia ter sido presa em função disso, mas nada aconteceu, felizmente.

Charlotte e Bob: Quando o amor pelo outro se expressa por meio de gestos e olhares, sem necessitar de palavras. Esta foi a última noite deles em Tóquio. E a sequência que veio logo depois é bastante sugestiva.

11 - Na cena do metrô vemos um homem lendo um mangá, que é 'Ghost in the Shell'. Scarlett Johansson interpretou a protagonista quando o mangá foi adaptado para o cinema em 2017. 

12 - Na cena do karaokê, Scarlett interpreta a música 'Brass in Pocket', do The Pretenders, enquanto Bill Murray canta 'More Than This', do Roxy Music.

13 - Por sua atuação em 'Lost in Translation', Bill Murray conseguiu a sua única indicado ao Oscar de Melhor Ator. O vencedor daquele ano foi Sean Penn.

14 - O primeiro momento do filme em que Bob e Charlotte conversam se dá apenas aos 32 minutos.

15 - O renomado crítico cinematográfico Roger Ebert incluiu 'Lost in Translation' em sua lista de Grandes Filmes.

Depois de se olharem de forma apaixonada no bar, eles pegam o elevador. E na sequência teremos o momento em que os, finalmente, irão se amar, embora a cena não tenha sido mostrada, mas apenas sugerida por Sofia Coppola.

16 - Bill Murray gostou muito do fato de que raramente ele era reconhecido em Tóquio.

17 - O beijo entre Bill e Scarlett na sequência não constava do roteiro. Ela foi improvisada pelos dois. 

18 - A fala de Bill Murray, que é sussurrada para Scarlett no final, também não estava no roteiro.

19 - Na cena do hospital, o homem idoso com a bengala pergunta para Bob há quanto tempo ele está no Japão. A resposta de Bob demonstra que ele não entendeu nada do que o idoso falou.

20 - Há uma outra versão sobre o que Bob falou para Charlotte no final do filme, que seria a seguinte: "Prometa-me que a próxima coisa que você fará é ir até aquele homem e dizer-lhe a verdade.".

'Lost in Translation' (Sofia Coppola; 2003) X 'I Compagni' (Mario Monicelli; 1963)!

 Imagem do apartamento de Charlotte, na manhã em que Bob foi embora de Tóquio. Neste momento ela está tomando banho. A cama está toda revirada. Do lado direito da imagem, quase caindo da cama, vemos o que é, com certeza, o casaco de Bob. Foi por isso que ele, na manhã em que foi embora, telefonou para Charlotte e lhe pediu que lhe devolvesse o casaco. Isso é a comprovação de que eles se amaram naquela última noite dele na cidade. 

Uma pessoa comentou, em uma rede social, que a sequência final de 'Lost in Translation' seria um plágio da cena final de 'I Compagni' (de Mario Monicelli).

Mas, na verdade, as cenas são muito diferentes.

Já assisti aos dois filmes e vou explicar quais são as diferenças existentes entre as duas sequências.

Vamos lá.

1) A cena final de 'I Compagni', do Monicelli, mostra um homem e uma mulher se despedindo e se passa embaixo de uma ferrovia, mas não ouvimos o que o homem (Raoul) diz para a mulher (Adele). E isso ocorre em função do fato de um trem estar passando ali justamente no momento em que eles estão conversando.

Não há NENHUM sussurro na cena. Os personagens continuam conversando em um tom de voz normal. Então, é um barulho externo que impede que possamos ouvir o que Raoul diz para Adele.

E nesta cena os personagens também não se abraçam. Eles apenas trocam um beijo bem leve nos lábios (bem mais leve do que o beijo de Bill e Scarlett ou Bob e Charlotte).

2) Já em 'Lost in Translation' o roteiro não previa nenhuma frase para ser falada na cena final.

Bob e Charlotte apenas se abraçariam e iriam embora, se despedindo, e provavelmente jamais voltariam a se encontrar.

3) De fato, foi o Bill Murray quem improvisou a frase, sussurrando a mesma, de tal maneira que fica muito difícil ouvir o que ele diz. Não havia nenhum barulho externo que impedisse que a frase pudesse ser ouvida. Não a ouvimos porque o Bill a sussurrou para a Scarlett.

E o beijo entre Bob e Charlotte, que é bem mais forte do que o beijo do casal em 'I Compagni', também não estava no roteiro, sendo que o mesmo também foi improvisado pelo Bill e pela Scarlett.

Charlotte ouve Bob lhe chamar, vira-se e fica com os olhos marejados ao vê-lo, pois sabe que ele não permitirá que a separação deles se consume. Bob foi atrás dela para dizer que a história deles não terminou.

4) Além disso, a frase dita por Bill (que foi revelada em um vídeo publicado no Youtube há mais de 9 anos) muda o sentido daquilo que vimos durante a história deles.

A história de Bob e Charlotte adquire um sentido diferente quando ficamos sabendo o que foi que ele falou.

5) Além do mais, no filme de Monicelli vemos que os dois personagens, Raoul e Adele, gritam um para o outro quando ele sobe no trem e vai embora.

Em 'Lost in Translation' isso não acontece. Depois que eles se despedem nenhum dos dois fala coisa alguma. Eles se viram, sorriem e vão embora em silêncio.

6) No máximo, pode-se dizer que a cena de 'Lost in Translation' faz uma referência ou uma homenagem à cena de 'I Compagni', mas temos várias e relevantes diferenças entre as duas.

Logo, a cena final de 'Lost in Translation' não pode ser considerada um plágio sob hipótese alguma.

7) É como disse o Godard: O importante não é de onde você tira as coisas, mas para onde você as leva.

8) Mas, apesar da comparação equivocada que tal pessoa fez, eu a agradeço, pois me permitiu lembrar e rever 'I Compagni', que é uma obra-prima do mestre Mario Monicelli.

Bob e Charlotte passam a ter, no momento final, o contato físico que esteve ausente durante aqueles dias em que conviveram em Tóquio. A relação deles começa em função de uma conexão espiritual e não de atração física. Esta veio em um momento posterior.

Informações Adicionais!

Título: Lost in Translation (Tradução: 'Perdidos na Tradução'; Título brasileiro: Encontros e Desencontros;

Diretora: Sofia Coppola;

Roteiro: Sofia Coppola;

País de Produção: EUA e Japão; Ano de Produção: 2003;

Gênero: Drama; Romance; Comédia;

Música: Kevin Shields; Fotografia: Lance Acord;

Montagem: Sarah Flack; Duração: 102 minutos;

Línguas faladas no filme: Inglês, Francês, Alemão e Japonês;

Elenco: Bill Murray (Bob Harris); Scarlett Johansson (Charlotte); Giovanni Ribisi (John); Anna Faris (Kelly); Catherine Lambert (Cantora de Jazz); Akiko Takeshita (Sra. Kawasaki); Diamond Yukai (Diretor do comercial); Fumihiro Hayashi (Charlie Brown); Takashi Fujii ('Johnny Carson do Japão'); Lydia Harris (Nancy Steiner; Voz).

Um beijo apaixonado de despedida entre Bob e Charlotte.

Prêmios!

- Oscar de Melhor Roteiro Original em 2004;

- Globo de Ouro de Melhor Filme (Comédia/Musical) em 2004; 

- Globo de Ouro de Melhor Roteiro em 2004;

- BAFTA de Melhor Roteiro Original em 2004;

- César de Melhor Filme Estrangeiro em 2005; 

- Mostra de Cinema de São Paulo (Prêmio da Crítica) em 2004.

- Bill Murray - Globo de Ouro de Melhor Ator em 2004; 

- Bill Murray - BAFTA de Melhor Ator em 2004; 

- Scarlett Johansson - BAFTA de Melhor Atriz em 2004;

- Sarah Flack - BAFTA de Melhor Montagem em 2004.

Um beijo carinhoso de Bob na mulher que ama...

O texto foi revisto e atualizado no dia 09/03/2022.

Links:

Vídeo - 'Just Like Honey', do Jesus and Mary Chain, com cenas do filme:


Veja esse vídeo para saber o que é dito por Bob no final do filme:

https://www.youtube.com/watch?v=5MV7Sym8bIQ

Roxy Music - More Than This - (com cenas do filme):

https://www.youtube.com/watch?v=bjvVNyBTSP8

The Pretenders - Brass in Pocket (Ao vivo em Londres - 2009):

https://www.youtube.com/watch?v=NsJtWEDQRLo

Phoenix - Too Young:

https://www.youtube.com/watch?v=3bhbIxS0MFA

Elvis Costello - (What's So Funny 'Bout) Love, Peace and Understanding:

https://www.youtube.com/watch?v=Ssd3U_zicAI

Peaches - Fuck The Pain Away:

https://www.youtube.com/watch?v=3cV6pnvCVM4&list=RD3cV6pnvCVM4&start_radio=1

Comentários

  1. Blade Runner completamente apaixonada por este filme. Um dos meus favoritos.Trilha sonora fantástica.

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