Isabelle Huppert lembra Jean-Luc Godard: 'Somos todos um pouco órfãos agora que ele se foi'!
Isabelle Huppert lembra Jean-Luc Godard: 'Somos todos um pouco órfãos agora que ele se foi'! - da Variety!
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Isabelle Huppert entregou, para Godard, o César honorário pelo conjunto da obra em 1987. Eles trabalharam juntos em dois filmes: 'Sauve qui peut (la vie)', de 1980, e 'Passion' (1982). |
por Elsa Keslassy, da 'Variety', 15-09-2022
Foi um salto de fé.
Quando Isabelle Huppert começou a trabalhar com Jean-Luc Godard em 1980 em “Every Man for Himself”, não havia um roteiro para ela consultar.
“Só havia fragmentos de cenas, poemas, canções e pinturas”, lembra. “Eu simplesmente sabia que meu nome no filme era Isabelle.
Mas Godard era uma lenda naquele momento, tendo ajudado a abrir o movimento francês “Nouvelle Vague” com “Breathless” e “Contempt” e depois empreendido uma fase ainda mais ousada e experimental em filmes como “Weekend” e “Masculin Féminin.”
Algo sobre sua parceria funcionou.
“Cada um por si” foi um raro sucesso comercial para o autor, e marcou um marco na carreira de Godard como o primeiro filme que ele apresentou em competição em Cannes e o primeiro a ser indicado ao Cesar Awards (o maior prêmio cinematográfico da França).
Huppert se reuniria com Godard para seu filme de acompanhamento "Passion", outro filme aclamado, presenteou-o com um prêmio honorário Cesar em 1987. Godard morreu em 13 de setembro aos 91 anos, e Huppert conversou com a Variety sobre suas colaborações artísticas com o cineasta e seu legado.
P- Ele te deu um roteiro?
Oh não, não havia roteiro com Jean-Luc Godard. Nada estava acontecendo como normalmente acontece. Havia apenas fragmentos de cenas, poemas, músicas e pinturas. Eu simplesmente novo meu nome no filme era Isabelle.
P- Como conheceu Jean-Luc Godard?
Nosso primeiro encontro foi por telefone. Ele me ligou e disse que queria me encontrar para um filme. Poucos minutos depois, literalmente, ele estava em minha casa para falar comigo sobre esse filme.
O primeiro filme que fizemos juntos, “Every Man For Si” era um filme que ele gostava de chamar de seu 'segundo primeiro filme'. Foi para ele um retorno a uma forma mais clássica, se é que podemos usar esse adjetivo para falar de Godard.
Mas veio depois de um longo período durante o qual ele estava fazendo um trabalho mais experimental, mais político também.
P- O que aconteceu então?
Mais tarde, ele veio me visitar em Montana, onde eu estava filmando “Heaving’s Gate” (dirigido por Michael Cimino). As filmagens estavam se arrastando um pouco e então Jean-Luc Godard viajou para lá para manter um vínculo, me ver e conversar, porque o tempo estava passando.
P- Você estava ansiosa para trabalhar com ele antes mesmo de ele se aproximar de você com este projeto?
Sim, claro. Compartilhar um momento da vida como atriz com Jean-Luc Godard é uma experiência excepcional. Eu certamente não gostaria de perder isso. Fiz dois filmes com ele e foram momentos especiais na minha vida.
P- Que lembrança você guarda de fazer “Every Man for Himself”?
Lembro-me de momentos, mas não de um em particular. Ele nos fazia falar de uma certa maneira em seus filmes e sempre acabávamos falando um pouco como ele. Ele tinha um jeito particular de falar. Ele foi de fato muito diretivo, muito preciso – ele queria que nós déssemos algumas linhas com um certo tom, para fazê-las soar um pouco como citações ou oráculos.
Para que ressoassem mais do que simples linhas em um diálogo. Foi uma forma de dar algum peso ao que estávamos dizendo. Então eu me lembro dessa exigência dele.
P- Você conseguiu improvisar durante as filmagens?
Não, não havia a menor improvisação em um filme de Godard. Ele sabia o que queria. Ele não é alguém que teve a menor hesitação. De qualquer forma, essa é a impressão que ele deu aos outros. Posso imaginar que, em sua mente, talvez fosse mais incerto. Assisti novamente a um vídeo em que ele dizia: “saber não é importante”. Então, não tenho certeza se ele gostaria que eu dissesse que sabia o que queria!
P- Você trabalhou com ele novamente em “Passion”. Li que ele fez você gaguejar e que você até teve que visitar o fonoaudiólogo algumas vezes.
Sim, ele queria que eu gaguejasse porque achava que a classe trabalhadora gaguejava. No começo achei um pouco violento. Não fiz isso em todas as cenas, mas fiz em algumas. Foi uma forma conceitual de mostrar as dificuldades que a classe trabalhadora enfrenta e me colocar nessa posição de fragilidade e vulnerabilidade.
P- Ele te deu dever de casa durante as filmagens?
Sim, ele queria que lhe demos ideias, que escrevêssemos coisas que nos passassem pela cabeça. Achei divertido e, ao mesmo tempo, pensei que ele próprio tinha ideias suficientes.
Ele sempre dizia que gostava de pensar e gostava de ver pessoas que pensam em filmes. Ele me deu esse elogio um dia e disse que eu parecia alguém que pensa. Era obviamente muito lisonjeiro.
P- Seus filmes quase sempre tiveram uma ressonância política. Por que é um aspecto importante para você?
Como qualquer grande artista, ele era político na maneira como fazia filmes.
Ele interrompeu a narração, a forma linear da narrativa tradicional, a edição.
A forma de seus filmes era tão ousada e inovadora que era política. E é por isso que ele se tornou Jean-Luc Godard.
Ele também fez alguns filmes que eram mais abertamente políticos do que outros. Ele fez algumas declarações que eram altamente políticas, também.
Por exemplo, no Festival de Cinema de Cannes, onde ele disse que a classe trabalhadora estava sub-representada nos filmes franceses.
P- O que você acha dos últimos filmes que ele dirigiu?
Acho-os tão avassaladores, interessantes e premonitórios como sempre. Até o final, ele questionou. Ele era um visionário. É por isso que somos todos um pouco órfãos agora que ele se foi.
Link:
https://variety.com/2022/film/news/isabelle-huppert-appreciation-jean-luc-godard-dies-1235372330/
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