Wim Wenders: 'Faço filmes graças a você, amigo Godard'!

Wim Wenders: 'Faço filmes graças a você, amigo Godard'!

Wim Wenders reconhecendo a importância de Godard para a sua fantástica carreira de cineasta. Godard também agia desta maneira com relação aos cineastas que admirava (Fritz Lang, Rossellini, Mizoguchi...).

Nesse diálogo entre Wim Wenders e Godard, o cineasta alemão disse o seguinte para o cineasta francês: “A minha descoberta do Cinema coincidiu, em grande parte, com a dos seus filmes!".

Essa extraordinária conversa, entre Godard e Wim Wenders, dois grandes nomes do Cinema, foi publicada em Novembro de 1991 pela revista britânica 'Sight and Sound'.

Nela, entre outras coisas, Wim Wenders também falou o seguinte para Godard: "Seu 'Made in U.S.A.', eu vi seis vezes seguidas e vi seis filmes diferentes.".

E Godard respondeu: "Você não merece...".

Abaixo, reproduzo trechos da conversa entre Wim Wenders e Jean-Luc Godard, que foram publicados pelo site italiano 'Dagospia.com' no dia 06 de Abril de 2022 e que foram retirados do site, também italiano', 'Il Fatto Quotidiano'.

Godard e Wim Wenders - Uma conversa!

Godard e Wim Wenders: Dois grandes nomes do cinema e que se respeitavam.

Wenders: Acho que é hora de fumar um charuto.

Godard: Por favor, pegue um dos meus.

Wenders: Fumei meu último charuto em San Diego, há muito tempo, e sempre com você.

Godard: Quando foi a última vez que nos vimos?

Wenders: Eu acredito na estreia de 'Detetive'. Depois passamos em frente a um dos saguões do hotel.

Godard: Sim, os lobbies.

Wenders: Jean-Luc, eu vi 'Nouvelle Vague' e me parece que você está se tornando um pintor, seus filmes estão se transformando cada vez mais em composições pictóricas...

Godard: Sim. Estou pensando em leiloar meu próximo filme na Christie's em vez de exibi-lo nos cinemas...

Godard e a jovem atriz Myriem Roussel, que trabalhou em três filmes de Godard: 'Passion' (1982), 'Prénom Carmen' (1983) e 'Je Vous Salue, Marie' (1985).

Wenders: Para mim, a descoberta do cinema coincidiu em grande parte com a dos seus filmes. Eu morava em Paris quando foi exibido o seu 'Made in U.S.A.', fui à primeira exibição, ao meio-dia, e fiquei no cinema até meia-noite.

Era um dia em que você podia ficar na sala o quanto quisesse... 'Made in U.S.A.' eu vi seis vezes seguidas.

Godard: Você não merecia isso.

Wenders: Era inverno também, estava bem frio lá fora.

Godard: Agora eu entendo.

Wenders: Foi uma experiência emocionante para mim assistir ao mesmo filme seis vezes seguidas e ver um filme diferente a cada vez. Esse é o lado extraordinário do seu cinema, estimulando o espectador a acompanhar suas invenções, com olhos de criança, e ao mesmo tempo me descobrindo.

Godard: Sim, é bom que o cinema produza esse tipo de reação. Por trás do filme é preciso sentir a presença de um diretor que ama seu trabalho. Sem esse amor nada se inventa, a gente endurece, a gente morre...

Acho que a maioria das pessoas ama o seu trabalho, mesmo nas fábricas e escritórios a situação é: a maioria dos americanos valoriza o seu trabalho, se for bem pago. E isso se aplica até aos soldados, que amam a guerra. É horrível para eles esperar.

Mas assim que o primeiro tiro de canhão é disparado, eles ficam felizes.

Acho que até nos campos de concentração quem batia fazia com prazer. Hollywood adora... sucesso.

Dennis Hopper, Nicholas Ray e Wim Wenders trabalharam juntos no belíssimo 'O Amigo Americano' (1977).

Wenders: Foi muito difícil para mim trabalhar em Hollywood.

Godard: Seria impossível para mim... Sempre fiz filmes com orçamentos reduzidos. Mas mesmo com dez francos, você ainda tem que tentar fazer um filme. Com Rossellini aprendi uma espécie de respeito pela metáfora artística do dinheiro.

O orçamento é um bom alicerce para a criatividade: se sobrar dinheiro, você acerta o alvo errado, se sobrar pouco, corre o risco de não acertar nada...

Lembro que, no primeiro dia de filmagem de 'Acossado', começamos trabalhar às 8hs da manhã, às 10hs terminamos e fomos a um café. O produtor chegou e, ao nos ver sentados à mesa, nos perguntou chocados:

"Por que vocês não estão filmando?". Eu respondi que tínhamos terminado, e ele disse: "Então, porque você não filma as cenas de amanhã?". E eu: "Não sei nada do que vamos filmar amanhã"...

Wenders: Meu filme 'Até o Fim do Mundo' ficou mais longo do que nunca. Se eu realizasse como havia proposto duraria pelo menos cinco horas.

Godard: Então faça duas partes, tipo 'E o Vento Levou', ou faça uma série.

Godard e Kurosawa: Dois gênios do cinema que dispensam apresentações. Eles influenciaram gerações de cineastas mundo afora.

Eu gosto de shows, mesmo os piores, até 'Dallas', só porque eles usam uma técnica de escalação. Acostumamo-nos com a velocidade da televisão, que reduziu os tempos de imagem, como ocorre na publicidade.

Acho que hoje temos que decidir entre fazer um filme longo - e aí deve ter 6, 7, 8 horas mesmo - ou fazer curto, mas radicalmente. O novo filme de David Lynch, 'Wild at Heart' ('Coração Selvagem', 1990), deveria ter 10 minutos de duração e seria um bom filme.

Wenders: Meia medida é uma das condições para o sucesso em massa.

Godard: Não tenho vontade de pensar da mesma forma, não sei, sobre Spielberg, embora na verdade eu o admire por seu talento. Se ele fizer um filme para 20.280.418 espectadores, fique tranquilo que não terá calculado mal por dois espectadores a mais ou a menos.

Mas não penso como ele e, de qualquer maneira, não suporto multidões. Não ando de metrô cheio e não gosto de ficar na fila da padaria. Como eu poderia querer que o cinema se enchesse de gente?

Wim Wenders e Samuel Fuller, um dos grandes nomes da era Clássica de Hollywood e que era admirado por Wenders e, também, por Godard. Fuller participou de 'Pierrot le fou' (1965), de Godard, e 'O Amigo Americano' (1977) e 'O Estado das Coisas' (1982), ambos de Wenders.

Wenders: Você monta seus próprios filmes?

Godard: Sim, é o melhor momento de um filme, até o mais solitário. Filmar, por exemplo, é um trabalho que odeio.

Wenders: Eu também o odeio...

Godard: Como eu gostaria que a equipe pudesse filmar sem mim! Acho que o único trabalho criativo acontece na sala de edição. Lembro-me de um problema com a cena final de 'Nouvelle Vague'. Delon estava muito mal e eu tentei de tudo: cortar, encurtar…

De repente tive a ideia de retirar o som ao vivo e inseri uma sonata de Hindemith. De repente, a cena ficou magnífica... Enquanto estou editando, tenho todo o som em mente, e quando escolho um determinado som, edito a cena e jogo o resto no lixo.

Wenders: No lixo?

Godard: Em um ou dois casos eu tive que vasculhar a lata de lixo no dia seguinte, antes que o lixeiro chegasse. Mas isso acontecia muito, muito raramente.

'Made in U.S.A.' (1966): Filme de Godard que Wim Wenders assistiu 6 vezes seguidas, dizendo que a cada vez ele viu um filme diferente. Godard o filmou ao mesmo tempo em que filmava '2 ou 3 Coisas Que Eu Sei Sobre Ela' (1966). 'Made in U.S.A.' era filmado durante o período da manhã, enquanto que '2 ou 3 Coisas...' era filmado no período da tarde.

Link: 

https://www.dagospia.com/rubrica-2/media_e_tv/ldquo-scoperta-cinema-coincisa-buona-parte-quella-305727.htm

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