Ruy Castro e seu texto repleto de erros grotescos sobre Godard e dois filmes dos anos 1960!
Ruy Castro e seu texto repleto de erros grotescos sobre Godard e dois filmes dos anos 1960!
Godard, Truffaut, 'Pierrot le fou' e 'Bonnie e Clyde'!
Ruy Castro escreveu e publicou, na página 02 da 'Folha de S.Paulo', um texto muito ruim, repleto de erros grotescos de informação, sobre a produção de 'Bonnie and Clyde' (Arthur Penn; 1967) e de 'One Plus One'/Sympathy for the Devil' (Jean-Luc Godard; 1968).
Obs1: 'One
Plus One' é o título da versão de Godard, enquanto que 'Sympathy for
the Devil' é o título da versão dos produtores (Iain Quarrier e Michael
Pearson), que mexeram no filme que Godard havia feito com o objetivo de
torná-lo mais comercial, o que eles mesmos admitiram.
O fato concreto é que Ruy Castro odeia Godard, talvez porque este sempre tenha sido de Esquerda, antiimperialista (o cineasta sempre criticou as guerras promovidas pelos EUA e, recentemente, condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia), bem como sempre foi um defensor dos povos oprimidos do mundo todo (da Argélia, Vietnã, os Palestinos...).
Nos
conflitos entre poderosos e oprimidos, Godard sempre se colocou ao lado
dos mais fracos, daqueles que estavam sendo pisoteados e massacrados.
Enquanto isso, Ruy Castro trabalha para a 'Folha de S.Paulo', que é um jornal conservador e direitista que apoiou o Golpe de 64, deu sustentação para a Ditadura Militar, apoiou o Golpe das patéticas 'pedaladas fiscais' contra Dilma e, também, a prisão ilegal (sem provas...) de Lula.
E
o resultado desse último Golpe de Estado foi a eleição de um governante
de Extrema Direita, expressão essa que a 'Folha' proibiu os seus
jornalistas de usarem durante a campanha eleitoral de 2018, num caso
claro de censura prévia aos mesmos. A quem isso beneficiou nem é preciso
dizer.
Além disso, Godard nunca se vendeu, seja para governantes, para corporações ou para grandes estúdios. E também nunca permitiu que outros cineastas, críticos e jornalistas lhes dissessem o que e como fazer em sua vida e trajetória como cineasta.
Godard sempre fez questão de preservar a sua liberdade criativa, independente disso agradar ou não aos produtores, atores, críticos e jornalistas.
E o desinformado Ruy Castro (que demonstra uma má vontade total com a obra de Godard), também afirma que se Godard tivesse dirigido 'Bonnie e Clyde' este seria um filme com 2 horas de duração e no qual os personagens ficariam o tempo discutindo sobre Tocqueville na cama.
Para começo de conversa, Godard dirigiu, sozinho ou em parceria, 55 longas metragens e NENHUM deles tem 2 horas de duração. Zero. Aucun. Então, quem faz uma afirmação estúpida dessas é porque não sabe nada sobre Godard, nunca assistiu a um filme dele sequer. No máximo, Ruy Castro ouviu dizer alguma coisa sobre os filmes dele, mas não os assistiu.
E dizer que, nos filmes do Godard, os personagens ficam discutindo na cama o tempo inteiro é outro comentário equivocado e superficial de Ruy Castro. Trata-se de uma generalização grosseira e estúpida e que não tem base nos filmes. Parece mais um comentário vazio, além de ser errado, típico de redes sociais, onde a desinformação, sobre todos os assuntos, corre solta.
Filmes como 'Acossado' (1959), 'Bande à Part' (1964), 'Pierrot le fou' (1965), 'Weekend' (1967), 'Prénom Carmen' (1983) ou 'For Ever Mozart' (1996) são alguns que confirmam que esse comentário de Ruy Castro é uma asneira monumental.
Estes são filmes com inúmeras cenas de ação ou nas quais os personagens estão sempre em movimento, combinando isso com uma série de reflexões, o que sempre esteve presente na obra de Godard.
Aliás,
as semelhanças entre 'Pierrot le fou' (1965) e 'Bonnie e Clyde' (1967)
são bastante evidentes e somente alguém que não assistiu aos dois filmes
é que pode não consegue perceber isso. Em termos de concepção e
desenvolvimento da trama 'Bonnie e Clyde' é quase uma cópia carbono do
filme de Godard.
Afinal, nos dois filmes nós temos várias semelhanças, incluindo um casal que abandona tudo, rompe com os valores dominantes da sociedade burguesa e viaja pelo país cometendo vários crimes. E os dois filmes tem um final muito semelhante, com o casal de protagonistas morrendo de forma trágica. Tanto o casal de 'Pierrot le fou' (Marianne Renoir e Ferdinand), tanto quanto o de 'Bonnie e Clyde' morrem no fim.
Isso acontece porque 'Pierrot le fou' (1965), de fato, deu início a um novo subgênero cinematográfico, ou seja, a filmes de espírito libertário, com uma história que se desenvolve na estrada e nos quais os protagonistas rompem com os valores hegemônicos na sociedade, passando a viver 'à part' da mesma.
Aliás,
o tema da marginalidade, com personagens que se sentem excluídos da
sociedade, é um aspecto que sempre esteve presente na obra de Godard,
pois é exatamente assim que ele se sentia o tempo inteiro. Em 'À Bout de
Souffle' ('Acossado'; 1959) esse tema já estava presente.
O fato concreto é que sem 'Pierrot le fou' (1965) muitos filmes não existiriam ou então eles seriam muito diferentes, incluindo 'Bonnie and Clyde' (1967) e 'Sem Destino' (1969), que são obras que copiam a ideia central de 'Pierrot le fou', com protagonistas que vivem na estrada, à margem da sociedade, rompendo com o estilo de vida desta e que tem, os três filmes, um final trágico.
Ruy Castro escreveu e publicou um texto muito ruim sobre Godard, com vários erros grotescos de informação. Sua má vontade com Godard fica bem clara.
Que
o Ruy Castro não tenha se dado conta das várias e relevantes
semelhanças entre 'Pierrot le fou' (1965) e 'Bonnie e Clyde' (1967), e
também com 'Sem Destino' (1969), mostra o quanto as
suas críticas ao Godard são superficiais, equivocadas e sem qualquer
fundamento, mostrando a sua imensa desinformação quando à importância e
ao alcance da influência da obra do cineasta francês.
Não
é à toa que diretores talentosos como Chantal Akerman e Todd Haynes afirmaram que
decidiram se tornar cineastas depois que assistiram 'Pierrot le fou'.
Chantal Akerman disse que ficou encantada quando assistiu ao filme de Godard.
Também é bom ressaltar que o projeto original do 'Bonnie and Clyde' não era do Warren Beatty, como afirma Ruy Castro, de forma equivocada, mas dos autores do roteiro (David Newman e Robert Benton), que eram bastante influenciados, para dizer o mínimo, pela Nouvelle Vague francesa.
E
o cineasta preferido deles era o Truffaut. Newman disse que ele e
Benton chegaram a assistir 'Jules e Jim' doze vezes em um período de
dois meses. O roteirista Robert Benton também chegou a dizer o seguinte:
"A Nouvelle Vague francesa nos permitiu escrever com uma moralidade
mais complexa, personagens mais ambíguos, relacionamentos mais
sofisticados".
Obs2: Estas informações sobre os roteiristas Newman e Benton foram retiradas do livro "Como a Geração Sexo, Drogas e Rock'n'roll salvou Hollywood', de Peter Biskind, páginas 26 e 27.
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Se em 'Pierrot le fou' temos um casal apaixonado, Marianne e Ferdinand, o mesmo acontece em 'Bonnie e Clyde'. |
Assim, o roteiro original de 'Bonnie and Clyde' (1967) foi escrito com base nas ideias e concepções de cinema que são típicas da Nouvelle Vague.
Inclusive, ele foi escrito para que um diretor do movimento dirigisse o filme. E
o primeiro diretor no qual os roteiristas pensaram em contratar para
fazer o filme não foi o Godard, mas o Truffaut, que recusou a oferta e
sugeriu que eles procurassem o Godard.
E daí os roteiristas ofereceram o projeto para o Godard, que chegou a se reunir com eles. No entanto, Newman e Benton não tinham nada pronto para fazer o filme, somente o roteiro, e Godard desistiu em função disso. Depois, Truffaut aceitou novamente fazer o filme.
Somente depois disso é que o Warren Beatty procurou por Newman e Benton e disse que desejava filmar 'Bonnie e Clyde', embora tenha ficado com muitas dúvidas mais adiante. Um dos motivos principais para isso é que o personagem de Clyde era homossexual e Beatty recusava-se a interpretar um personagem assim.
Beatty chegou a dizer o seguinte: "Vou dizer uma coisa logo de cara: não vou fazer papel de veado". E o diretor Arthur Penn concordou com Beatty. Daí, Newman e Benton transformaram Clyde em um personagem impotente, mas heterossexual.
Obs3: Essas informações sobre a sexualidade de Clyde e as recusas de Beatty foram retiradas da página 33 do livro 'Como a Geração Sexo, Drogas e Rock'n'roll', de Peter Biskind.
Daí, quem entrou no projeto foi o diretor Arthur Penn, que era outro diretor bastante influenciado pela Nouvelle Vague e havia dirigido um filme ('Mickey One'; 1965), que remetia à obra de cineastas europeus como Fellini, Godard e Truffaut.
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'Pierrot le fou': Godard pintando o rosto de Belmondo. |
Foram os roteiristas, Newman e Benton, que sugeriram que Warren Beatty procurasse Arthur Penn para dirigir 'Bonnie e Clyde', com quem o ator já havia trabalhado em 'Mickey One' (1965) e que havia fracassado comercialmente, mas do qual Newman e Benton gostaram muito.
Warren
Beatty também chegou a se reunir com Godard, mas eles não se
entenderam, pois Beatty era do tipo que mandava nos diretores com os
quais trabalhava, tratando-os com total desprezo e desrespeito, o que
era inaceitável para o cineasta francês.
Beatty
fez isso até com o consagrado Robert Altman, com quem teve inúmeros
conflitos, e a quem humilhou, quando filmaram 'Onde os Homens São
Homens' (1971). Quem acredita que Godard poderia trabalhar com alguém
com o perfil de Beatty é porque não sabe nada sobre Godard. Então,
realmente, foi ótimo (para Godard, é claro...) que ele não tenha
dirigido o filme.
E o Godard também não era (nunca foi...) o tipo de cineasta que se submete à vontade de atores ególatras que se consideram a última bolacha do pacote, muito pelo contrário.
Warren Beatty decidiu mudar o roteiro do filme e, para isso, contatou Robert Towne, que fez várias mudanças no mesmo, mais de acordo com aquilo que o ator desejava. Beatty sempre foi um ator que, nos filmes em que trabalhava, se comportava também como se fosse produtor, diretor e roteirista, ou seja, como se fosse o dono do filme.
Inclusive, Beatty e Penn tiveram muitos conflitos durante as filmagens de 'Bonnie e Clyde', que somente foram amenizados devido à presença do roteirista Robert Towne, pois o ator vivia perguntando o motivo de tudo o que Penn fazia e tentava impor suas próprias ideias ao diretor.
Godard, os Beatles, os Stones e 'One Plus One'/Sympathy for the Devil'!
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Godard e Mick Jagger conversam no set de filmagem de 'One Plus One'. O cineasta e os integrantes dos Stones tiveram um ótimo relacionamento durante as sessões de gravação. |
Em seu texto repleto de erros sobre Godard, publicado pela 'Folha', Ruy Castro também escreveu inúmeras informações equivocadas com relação ao filme 'One Plus One'/'Sympathy for the Devil' (1968). Mais abaixo eu faço a explicação detalhada sobre isso.
A origem do projeto que resultou no filme está quando alguns produtores procuraram pelo Godard e ofereceram a ele a oportunidade de fazer um filme com os Beatles ou com os Stones (e não apenas com os Beatles, como diz, equivocadamente, Ruy Castro). Os produtores já haviam conversado com os membros dos dois grupos e ambos tinham concordado em fazer um filme com o cineasta francês.
E
Godard, neste primeiro momento, escolheu ou Beatles, até porque estes
já tinha feitos vários filmes de sucesso e tinham experiência em Cinema,
o que não acontecia com os Stones, que nunca tinham feito nenhum filme
até 1968.
Porém, quando Godard, acompanhado de Anne Wiazemsky, foi conversar com John e Paul, o primeiro havia mudado de ideia e não queria mais fazer o filme.
Em seu livro 'Um Ano Depois', Anne Wiazemsky conta que enquanto Godard e Lennon discutiam, aos berros, ela e Paul foram para embaixo da mesa e tomaram chá com bolinho ali mesmo. No fim, Lennon saiu da sala e, daí, Paul se desculpou com eles, explicando que os Beatles estavam em um período problemático, com muitos conflitos internos. Depois disso, Godard e Anne retornaram à França.
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Godard fazendo uma explicação para Brian Jones, que parece estar com dúvidas. |
Porém, durante o Maio de 68, em meio às imensas manifestações que se desenvolviam no país e das quais Godard participava intensamente, ele recebeu um telefonema da Grã-Bretanha e ficou sabendo que novos produtores haviam comprado o contrato assinado pelo cineasta e, também, haviam convencido os Stones a fazer o filme.
E se o Godard se recusasse ele responderia a um processo, o que poderia resultar em uma vultosa indenização que ele poderia vir a pagar. Mas isso não aconteceu, porque Godard, mesmo contrariado (pois teria que abandonar as manifestações na França), foi para a Grã-Bretanha, no início de Junho, junto com Anne Wiazemsky, para fazer o filme com os Stones.
Então,
o jornalista Ruy Castro errou feio em seu texto quando afirmou que
Godard 'estava devendo uma nota aos produtores'. Godard não tinha dívida
nenhuma com eles, até porque os produtores do filme com os Stones não
eram os mesmos do contrato anterior.
De fato, alguns dias antes das filmagens começarem, Godard chegou a viajar até Londres e ficou conhecendo o novo produtor, Ian Quarrier (ele atua no filme interpretando o dono da pequena livraria que faz a leitura de trechos do 'Mein Kampf'), bem como conheceu Mick Jagger, que nesta época já era o líder dos Stones.
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Muito
diferente do que Ruy Castro afirmou em seu texto, Godard e os Stones se
entenderam muito bem durante as filmagens. Nenhum deles interferiu no
trabalho do outro. |
Godard e Jagger conversaram e se entenderam rapidamente, combinando que cada um (o cineasta e os Stones) faria o seu trabalho livremente e sem a interferência do outro. Anne também diz que os técnicos que trabalharam na montagem dos trilhos no estúdio seguiram fielmente as orientações de Godard.
Anne também afirma, em seu livro, que "Jean-Luc parecia calmo e, como eu, aliviado por estar em Londres para fazer um filme".
Anne também escreveu que Mick Jagger, na condição de líder dos Stones, é quem guiava os demais Stones durante a gravação de 'Sympathy for the Devil', que se tornou um dos maiores clássicos do grupo, que é executada até hoje nos shows. Anne afirma que Mick Jagger "estava muito concentrado, mas isso não o impedia de dirigir a Jean-Luc e à câmera um de seus sorrisos arrasadores, para verificar o poder de seu charme".
Anne também diz que simpatizou mais com Keith Richards, afirmando que o considerava "ainda mais sexy que Mick Jagger", escrevendo ainda que Godard percebeu isso e que brincou com ela, lhe dizendo que "você gostou desse Stone".
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Brian Jones, Keith Richards e Mick Jagger foram os responsáveis por desenvolver o arranjo da música. |
Anne conta, também, que depois da segunda noite de filmagem e de gravação, Mick Jagger chegou a pedir a opinião de Godard sobre partes do arranjo que eles estavam desenvolvendo. No livro, Anne afirma que as sessões se desenvolveram como se fossem uma grande festa psicodélica, pois apareceram muitos amigos dos Stones e a bebida e os baseados passavam de mão em mão.
Ela também afirma que, em determinado momento, Godard mandou interromper as filmagens, pois Mick Jagger o avisara de que Keith Richards e sua namorada, Anita Pallenberg, tinham ido transar atrás de um biombo.
Portanto, a afirmação de Ruy Castro de que Godard estava 'odiando cada minuto' das sessões de gravação e de filmagens é falsa e não tem nenhum fundamento, a julgar com base nas afirmações que Anne Wiazemsky faz em seu livro. Ela estava lá, junto com Godard e os Stones, e viu tudo o que aconteceu.
Logo,
ela tem muito mais credibilidade do que o jornalista, que em nenhum
momento cita as fontes de suas afirmações. Enquanto isso, em meu texto,
estou citando as fontes de onde retirei as informações para poder
escrever o mesmo.
Obs4: As informações acima foram retiradas do livro 'Um Ano Depois', de Anne Wiazemsky, páginas 105 a 111.
O texto que Ruy Castro escreveu sobre Godard está, portanto, repleto de informações erradas e de afirmações superficiais. E o mesmo é tão arrogante que chega a dizer que o filme que o cineasta fez com os Stones provavelmente não foi visto por quem leu o texto dele e que tal pessoa não perdeu nada com isso.
Bem, a julgar pelo perfil do público leitor que a 'Folha' possui, cada vez mais direitista, retrógrado e conservador, devido à linha editorial reacionária que a publicação adotou nos últimos 20 anos (apoiando o Golpe contra Dilma e a prisão ilegal de Lula), então é bem provável que os leitores de Ruy Castro não tenham, de fato, assistido a nenhum filme de Godard, mesmo sendo este, inegavelmente, um dos importantes e influentes cineastas da história do cinema mundial.
E os seus leitores também não devem ter assistido a qualquer filme dos demais cineastas da mesma geração e movimento (Truffaut, Chabrol, Rivette e Rohmer), ou seja, da Nouvelle Vague, que revolucionaram o cinema mundial a partir dos últimos anos da década de 1950.
E baseado nos inúmeros erros de informação e análise que cometeu em seu texto sobre Godard, é possível afirmar que Ruy Castro é merecedor desse tipo de leitor.
'One Plus One'/'Sympathy for the Devil' - Por que o filme tem dois títulos?
Nós
temos, no texto de Ruy Castro, uma grave omissão, que é o fato de que
ele não explica os motivos pelos quais a versão de
Godard se chama 'One Plus One', enquanto que a versão dos produtores se
chama 'Sympathy for the Devil'. Isso acontece porque há várias
diferenças entre as duas versões.
Na versão de Godard, além do título não ter qualquer relação com o nome da música, os Stones nunca concluem o arranjo da música (cuja letra é inspirada no livro 'O Mestre e Margarida', de Mikhail Bulgákov).
Além disso, temos a participação de atores e atrizes negros britânicos, nas sequências do ferro velho, nas quais eles declamam ou fazem leituras de textos revolucionários, de autoria de Eldridge Cleaver e Amiri Baraka, era maior do que a dos Stones.
Esses atores e atrizes negros tinham mais tempo na versão de Godard do que os Stones, algo que nenhum outro cineasta do mundo teria coragem de fazer (nem naquela época e tampouco nos dias atuais), pois eram todos atores e atrizes desconhecidos, enquanto que os Stones eram um dos maiores grupos de Rock do mundo.
Enquanto isso, na versão dos produtores o título é outro (o mesmo da música), o arranjo da canção é concluído e os produtores ainda montaram um videoclip no qual a música é tocada do início ao fim.
Os próprios
produtores admitiram que o objetivo das mudanças era tornar o filme mais
comercial, para recuperar os investimentos feitos para a realização do filme (250 mil libras, em valores da época), dizendo
ainda que existiam 10 milhões de adolescentes nos EUA aos quais o filme poderia atingir.
Godard não aceitou as mudanças promovidas pelos produtores e, indignado, ele foi até o Festival de Cinema de Londres, onde o filme foi lançado, em Novembro de 1968, subiu ao palco do local da exibição e deu um soco em um dos produtores.
Godard também tentou convencer o público a ir assistir a sua versão, em outro local, mas estava chovendo torrencialmente e as pessoas preferiram permanecer no local (apenas 20 concordaram em acompanhá-lo). E nos EUA as ações de Godard, denunciando o que os produtores fizeram ao mudar o seu filme, resultou na exibição das duas versões do mesmo, a de Godard e a dos produtores.
Portanto, ao contrário do que disse Ruy Castro, em momento algum ele se submeteu à vontade dos produtores e, quando estes mudaram o filme, ele denunciou isso, inclusive em entrevistas concedidas naquela época, incluindo uma para a revista Rolling Stone.
A 'Rolling Stone' e o filme de Godard!
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Mick Jagger durante as sessões de gravação de 'Sympathy for the Devil'. Ao fundo vemos Brian Jones e Keith Richards. |
Aliás, a revista Rolling Stone reconheceu, em uma matéria de outubro de 2018, escrita por Dan Epstein, a relevância do filme de Godard, dizendo, entre outras coisas, o seguinte:
- O filme capturava os Stones "no momento mais crucial de sua primeira década";
- Por meio do filme "estamos testemunhando a criação de "Sympathy for the Devil", uma música que se tornará uma das entradas mais icônicas do volumoso catálogo dos Stones.";
- O que vemos no filme "não são deuses do rock pingando gênio por todos os poros, mas músicos que trabalham duro trabalhando juntos, adotando uma abordagem de tentativa e erro em sua busca comum por magia e inspiração.".
- "A importância do filme como um documento dos Stones não pode ser subestimada.".
Tony Richmond, diretor de fotografia do filme, disse que considera o filme "realmente fantástico. Acho que foi a primeira vez que alguém viu - ou pelo menos eu vi - o processo de um grupo fazer um disco. Você realmente vê como eles estão montando a música".
Sobre o trabalho de Godard no filme, Richmond disse o seguinte: "O filme é sobre arte e destruição, e acredito que Godard sente que a arte nunca está terminada.".
A matéria da Rolling Stone também afirma o seguinte: "este semidocumentário/argumento continua sendo uma obra histórica tão importante... É também a última vez que seríamos tratados com uma visão tão desprotegida da banda.
A revista também diz que "a realidade sem verniz das filmagens de estúdio do filme ainda ressoa 50 anos depois.". E a conclusão da Rolling Stone é a seguinte: "Se você já fantasiou em voltar no tempo e assistir a uma sessão de gravação dos Stones, Sympathy for the Devil ainda é o seu ingresso.".
E
na Internet encontramos, também, inúmeros comentários de fãs dos Stones
agradecendo ao fato de poder assistir ao processo de criação de um dos
maiores clássicos do Rock e reconhecendo que, depois deste filme, isso
nunca mais aconteceu, não apenas com os Stones, mas com outros grupos. E
quem fez isso foi Godard.
Então,
este é o filme que Ruy Castro disse que, se você nunca o assistiu, você
'não perdeu nada com isso'. Bem, essa afirmação do jornalista pode
valer como uma péssima piada. Mais do que isso, não.
Links:
Matéria da Rolling Stone sobre 'Sympathy for the Devil':
Chantal Akerman e 'Pierrot le fou':
https://abraccine.org/2015/11/23/chantal-akerman-perfil-entrevista/
Trecho de 'Pierrot le fou':
Trailer de 'One Plus One'/'Sympathy for the Devil':
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