"The Cat's Meow" - Peter Bogdanovich relembra uma morte que ficou nas sombras e mostra a vida durante os loucos anos 20!
"The Cat's Meow" - Peter Bogdanovich relembra uma morte que ficou nas sombras e mostra a vida durante os loucos anos 20! - Marcos Doniseti!
Este é um belo filme de Peter Bogdanovich, um dos seus melhores, mas que não se tornou tão conhecido e nem fez o mesmo sucesso quanto outros que ele dirigiu e que o consagraram como cineasta, como são os casos de 'A Última Sessão de Cinema' (1971), 'Essa Pequena é uma Parada' (1972) e 'Lua de Papel' (1973).
Depois de 'Lua de Papel', Bogdanovich entrou em um longo período de crise, o que também está relacionado com o fim do seu primeiro casamento, com a produtora e roteirista Polly Platt, com quem trabalhava. A importância dela para os filmes de Bogdanovich é inegável e o fim do casamento deles também representou o final do trabalho conjunto que realizavam.
Depois disso, Bogdanovich acabou realizando filmes que estavam muito abaixo do talento que havia demonstrado nestes grandes filmes.
De certa maneira, este 'The Cat's Meow' foi uma espécie de renascimento criativo, embora não tenha alcançado o sucesso merecido (mas o mesmo pode ser dito a respeito de muitos outros filmes).
Então, "The Cat's Meow" é uma espécie de volta à boa forma de Bogdanovich, que era um profundo conhecedor de toda a história de Hollywood e dos seus grandes cineastas, como é o caso de Orson Welles. Aliás, é claro que temos referências ao 'Cidadão Kane' neste "The Cat's Meow".
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Chaplin (Eddie Izzard) e Marion Davies (Kirsten Dunst) tem um romance, o que gera a fúria de Hearst. |
A história é uma das muitas versões sobre o que aconteceu em uma viagem, que ocorreu em 1924, no iate do tubarão da mídia ianque que foi William Randolph Hearst, em cuja vida Orson Welles se baseou para fazer a obra-prima 'Cidadão Kane', de 1941.
O elenco do filme é ótimo, incluindo Edward Hermann (Hearst), Kirsten Dunst (Marion Davies),muito jovem e com uma ótima atuação, Eddie Izzard (Chaplin), Joanna Lumley (Elinor Glyn), Cary Elwes (Tom Ince) e Jennifer Tilly (Louella Parsons).
Na
viagem tivemos a participação do próprio Hearst e de alguns ilustres
convidados, incluindo Charles Chaplin e de Tom Ince, um importante produtor de
Hollywood (a quem se atribui a criação do sistema de grandes estúdios) que vivia um período de decadência e tentava se associar com
Hearst para se recuperar. Na viagem, Tom Ince estava acompanhado da sua amante.
Também temos a presença da amante de Hearst, e talentosa atriz de comédias, Marion Davies (a Susan Alexander de 'Cidadão Kane'), a jornalista Louella Parsons, que era especialista na vida dos famosos de Hollywood. Porém, no filme o que vemos são as versões humanizadas destas estrelas, que são pessoas que também amam, mentem, enganam, traem.
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Hearst, o todo poderoso magnata da mídia, era apaixonado por Marion Davies. |
Assim, o que Bogdanovich mostra é que todos eles podem ser milionários, poderosos e famosos, mas também são humanos, com todas as suas virtudes e defeitos. Aliás, é claro que isso vale não apenas para a Hollywood dos anos 1920, mas para todos os seres humanos, em todas as épocas.
E no filme temos também a presença da escritora Elinor Glyn, que, por sua vez, é quem narra o começo e o fim da história, que pode ser comparada com aquela que vimos na obra-prima 'La Règle du Jeu' (A Regra do Jogo, 1939), de Jean Renoir, na qual um grupo de burgueses se reúne em uma casa de campo para participar de uma caçada.
Robert Altman, outro cineasta que foi ligado à 'Nova Hollywood', também filmou, no mesmo ano de 'The Cat´s Meow', com esse mesmo tipo de ambientação, que foi 'Gosford Park'.
Durante a viagem no iate de Hearst ocorre a morte de Tom Ince, que se deu em circunstâncias que até hoje não foram esclarecidas, mas sobre a qual circulam muitos boatos e versões e que incluem até mesmo Chaplin na trama.
No filme a versão que temos é que Chaplin e Marion Davies eram apaixonados e que isso gerou uma forte e furiosa reação de Hearst, o que teria criado circunstâncias que provocaram a morte de Tom Ince.
Bogdanovich e o roteirista Steven Peros optam por uma destas versões e o resultado disso nós vemos no filme, que está repleto de piadas e frases picantes, principalmente da parte da escritora Elinor Glyn, brilhantemente interpretada por Joanna Lumley, atriz britânica que ficou conhecida trabalhando na série 'Absolutely Fabulous'.
E também fica claro, no filme, a rivalidade e antipatia recíproca entre Chaplin e Ince, pois é mostrado que ambos tinham um forte interesse em Marion Davies.
E como a Marion Davies corresponde aos sentimentos do criador de Carlitos, vemos que Ince procura fazer de tudo para estragar o relacionamento dos dois, tentando avisar Hearst do que acontece, pois o relacionamento deles se desenvolve, inicialmente, sem o conhecimento do possessivo e ciumento magnata, que diz amar intensamente à jovem Marion Davies e que não pode viver sem a mesma.
Assim, vemos que Hearst, aquele milionário magnata que controlava um imenso império jornalístico e que era tão poderoso que elegia Presidentes dos EUA, mostrava toda a sua fragilidade e dependência em relação à jovem Marion Davies. Aliás, vemos que esta tinha consciência da situação, o que a levará a abandonar Chaplin e a continuar vivendo com Hearst.
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Hearst, mesmo sendo todo poderoso, não conseguia viver sem a sua grande paixão, que era a jovem atriz Marion Davies. Afinal, os milionários também amam e sofrem... |
A rivalidade entre Chaplin e Tom Ince também se dá porque o primeiro se via como um artista, um criador, enquanto o segundo seria apenas um homem de negócios que estava apenas interessado em conquistar poder, dinheiro e prestígio. Como é dito por Chaplin, de maneira mordaz, em certo momento do filme, 'não é porque você é dono de uma loja de tintas que poderá se tornar um pintor'.
As piadas picantes e cortantes estão muito presentes no filme e até Chaplin é vítima delas, tal como acontece nos momentos em que ironizam o fato de que o filme que ele havia dirigido ('A Woman of of Paris: A Dama of Fate'; 'Casamento ou Luxo', de 1923), no qual não tivemos a presença de Carlitos, havia sido um fracasso.
Também temos a presença de dois personagens, que embora sejam coadjuvantes, representam os valores mais conservadores que ainda sobreviviam nesta época, que é formado por Frank e Jessica Barham.
O próprio Hearst, que era casado e tinha Marion como sua amante e grande paixão, fala para Frank que admirava o casamento dele, que era simples e sem complicações, pois nenhum dos dois tinha amantes ou traía o outro. E daí Frank responde, dizendo que comparado com a vida dos amigos de Hearst, ele desfrutava de uma vida desinteressante, comentário que desagrada a sua conservadora esposa, é claro.
É claro que a liberal e cosmopolita cultura popular dos anos 1920 está presente no filme, sendo representada por alguns de seus astros cinematográficos (Chaplin e Marion Davies, em especial) e também por sua música esfuziante e animada (o Charleston...), que fazia milhões de pessoas balançarem os quadris em salões de dança pelo mundo inteiro.
Também temos as roupas luxuosas, os cortes de cabelo (curtos) e a forte maquiagem que eram moda na época, bem como a crescente liberdade sexual.
Logo, o que Bogdanovich faz em seu filme não é apenas mostrar uma versão de uma história que envolve amor, morte, sexo, traição, mas retratar, também, uma época histórica.
Estes foram os chamados 'Loucos Anos 20', que foi um breve momento, que vai de 1924 até antes da quebra de Bolsa de Valores de Nova York, em outubro de 1929, no qual tivemos uma certa estabilidade política e grande crescimento econômico nos EUA, Europa e na América Latina.
Embora existissem imensas desigualdades sociais e, também, entre as nações, para as elites e classes abastadas esses cinco anos foram um período de euforia e otimismo, onde se procurou esquecer os horrores da Primeira Guerra Mundial e das crises que ocorreram na sequência, incluindo processos revolucionários (na Itália e Espanha, por exemplo) e graves crises econômicas (a hiperinflação na Alemanha em 1923).
Durante estes cinco breves anos, a euforia e o otimismo haviam voltado, mas isso não durou muito e, após outubro de 1929, o mundo mergulhou em uma nova era de turbulência, que irá resultar na ascensão de Hitler e dos nazistas ao poder na Alemanha, no final de janeiro de 1933, e na violentíssima Segunda Guerra Mundial.
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Hearst e Marion Davies: O relacionamento sobreviveu aos graves acontecimentos da viagem, que o poderoso magnata da mídia procurou abafar, no que foi bem sucedido. |
Então, os chamados 'Loucos Anos 1920' duraram apenas 5 anos (1924-1929), mas o otimismo que vigorou neste momento levou a que muitas pessoas acreditassem que a crise política, ideológica, política e social do período final da Primeira Guerra Mundial e dos primeiros anos após o fim daquele brutal conflito havia chegado ao fim.
Todo este cenário é
muito bem recriado no filme, no qual as relações existentes entre os personagens, seus conflitos, romances e festas representam um tipo de microcosmo daquela sociedade e daquela época.
E temos, no final, uma sequência que sintetiza o filme e, de certa maneira, a própria época que Bogdanovich retrata, quando Elinor Glyn, durante um breve momento, para de dançar e fica com uma expressão séria, como se estivesse pensando sobre tudo o que estava acontecendo no iate (conflitos, morte, mentiras, traição) e naquele momento histórico.
Porém, essa reflexão dela dura poucos segundos e, daí, logo depois ela volta a dançar e convoca os demais a fazer o mesmo. É como se Elinor estivesse intuindo que tudo aquilo não iria durar muito tempo, mesmo, então o melhor a fazer era deixar os problemas de lado e aproveitar o momento.
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O público entusiasmado procura se aproximar dos astros que participaram da viagem no iate de Hearst, principalmente de Chaplin, que foi uma das grandes estrelas do período. |
Informações Adicionais!
Título: The Cat's Meow (O Miado do Gato);
Diretor: Peter Bogdanovich;
Roteiro: Steven Peros, baseado em sua peça teatral de mesmo nome;
Gênero: Comédia; Sátira; Musical;
Ano de Produção: 2001;
País de Produção: EUA, Alemanha, Reino Unido.
Duração: 114 minutos;
Música: Ian Whitcomb; Fotografia: Bruno Delbonnel;
Montagem: Edward G. Norris; Figurinos: Caroline de Vivaise;
Elenco: Kirsten Dunst (Marion Davies); Edwarda Hermann (William Randolph Hears); Eddie Izzard (Charlie Chaplin); Cary Elwes (Thomas Ince); Joanna Lumley (Elinor Glyn); Jenniffer Tilly (Louella Parsons); Claudia Harrison (Margaret Livingston); Victor Slezak (George Thomas); James Laurenson (Dr. Daniel Goodman); Ronan Vibert (Joseph Willicombe); Chiara Schoras (Celia); Claudie Blakley (Didi); Ingrid Lacey (Jessica Barkham); John C. Vennema (Frank Barkham); Steven Peros (Motorista de Elinor); Yuki Iwamoto (Kono, motorista de Chaplin).
Informações sobre o filme:
https://www.imdb.com/title/tt0266391/?ref_=ttfc_fc_tt
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Depois de refletir por um breve momento, Elinor Glyn (Joanna Lumley) cai na dança, junto com os outros participantes da festa que ocorria no iate de Hearst. |
Trailer do Filme:
Comentários sobre o filme (por Jacob Martin):
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