'Made in U.S.A.' - Influenciado pelo Policial Noir e Pop Art, Godard acerta as contas com as Esquerdas e com o sistema político francês!

'Made in U.S.A.' - Influenciado pelo Policial Noir e Pop Art, Godard acerta as contas com as Esquerdas e com o sistema político francês! - Marcos Doniseti!

'Made in U.S.A.' (1966) é um ótimo filme de Godard, que contém inúmeras informações e referências cinematográficas, artísticas e históricas, e no qual Godard demonstra uma visão extremamente crítica sobre todo o sistema político francês.

Este é um filme que Godard fez para tirar seu amigo produtor Georges de Beauregard da falência. O produtor procurou Godard para que o cineasta fizesse um filme que lhe permitisse pagar as dívidas com os seus credores, que estavam 'em seu pescoço'.

Neste momento, início de 1966, Godard estava pronto para começar a filmar '2 ou 3 Coisas Que Eu Sei Sobre Ela', e já estava com tudo planejado, mas não podia ignorar o pedido de seu amigo Beauregard e decidiu produzir 'Made in U.S.A.', fazendo os 2 filmes de maneira simultânea.

Assim, Godard filmava '2 ou 3 Coisas...' no período da manhã e 'Made in U.S.A.' no período da tarde.

A trama do filme gira em torno da personagem Paula Nelson, interpretada por Anna Karina, que fez, com este filme, seu último longa metragem com Godard. Em 1967 eles ainda fizeram juntos um segmento de 20 minutos chamado 'Antecipação - O Amor no Ano 2000' para o projeto coletivo 'O Amor Através dos Séculos'.

Em 'Made in U.S.A.', a personagem Paula Nelson vai até a cidade de Atlantic-Cité para investigar o assassinado de seu marido, Richard Politzer. E à medida que ela vai descobrindo aqueles que foram os responsáveis pelo crime, bem como as circunstâncias do mesmo, Paula vai acertando as contas com os envolvidos, eliminando um por um.

Isso era algo bastante subversivo no cinema da época, onde a ideia de uma mulher armada que elimina inúmeros homens durante sua investigação era uma ideia extremamente ousada e inovadora.

Godard desferia, assim, mais uma violenta bordoada no machismo e misoginia do cinema e da sociedade da época, algo que ele já havia feito, mas poucos perceberam, em 'Acossado' (1959).

Assim, aqui temos o Godard, o poeta visionário (na excelente definição de Eric Hobsbawm) em ação novamente, adotando uma postura que ele manteve até o fim de sua vida de cineasta, pois nunca deixou de inovar, tanto que ele dirigiu um filme, 'Adeus a Linguagem' (2014), no qual criou, junto com Fabrice Aragno, uma inovadora tecnologia 3D.

Em 'Made in U.S.A' é nítida a influência da Art Pop de Andy Warhol, que Godard mistura com o filme Policial Noir, embora este seja um filme colorido (Godard diz que se inspirou em 'The Big Sleep', de Hawks).

O filme é uma adaptação não reconhecida do livro de autoria de Richard Stark (Donald E. Westlake) e inclui inúmeros elementos do período, com referências ao assassinato de John F. Kennedy e do líder nacionalista marroquino Ben Barka, no qual existe a forte suspeita, que explora no filme, do envolvimento do Serviço Secreto francês.

O filme também contém inúmeras críticas de Godard à moderação política e ideológica das Esquerdas francesas, (Socialistas e Comunistas) e ao ultrapassado sistema político francês, que o cineasta mostra que é marcado por tradições obsoletas, manipulações midiáticas, violência, espionagem, crimes e corrupção.

Portanto, 'Made in U.S.A.' marca a ruptura de Godard com todo o sistema político hegemônico da época, inclusive com as Esquerdas francesas, que ele via como forças conservadoras que defendiam a manutenção da ordem e do sistema.

Porém, tal como fica muito claro no final, ele ainda não sabia o que fazer e qual rumo seguir, algo que ele somente irá descobrir a partir do filme 'A Chinesa' (1967), que irá marcar o seu envolvimento mais significativo com o marxismo e com o maoísmo. 

Links:

Trailer do filme (também foi dirigido por JL Godard):

https://www.youtube.com/watch?v=m4kCjestYhU


 

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