'Je Vous Salue, Marie': Godard mostra os conflitos entre Corpo X Espírito e exalta o mistério e a espiritualidade da mulher!

'Je Vous Salue, Marie': Godard mostra os conflitos entre Corpo X Espírito e exalta o mistério e a espiritualidade da mulher! - Marcos Doniseti! 

'Je Vous Salue, Marie' (1984), belíssimo filme de Godard que gerou muita polêmica, chegando a ser censurado no Brasil. Mas a obra exalta as mulheres e demonstra total respeito por Maria, a mãe de Jesus.

'Je Vous Salue Marie' - Polêmica!

'Je Vous Salue, Marie' foi filmado em 1984 por Jean-Luc Godard e gerou muita polêmica mundo afora, tendo sido censurado pelo governo de José Sarney, em 1986, devido às fortes pressões feitas pela Igreja Católica, que dizia que o filme era obsceno e herético, sendo ofensivo e desrespeitoso com a Virgem Maria. Até mesmo o Papa João Paulo II atacou ao filme.

Católicos fizeram protestos contra o filme, o que acabou ajudando a tornar o mesmo ainda mais famoso. E como o então presidente José Sarney foi um líder da ARENA, partido que deu apoio à Ditadura Militar, a questão extrapolou os limites cinematográficos e deu origem a um debate político, em torno do direito do governo de censurar uma obra de arte (filmes, livros, peças de teatro, etc).

A censura prévia foi imposta de forma drástica pela Ditadura Militar durante mais de 20 anos, mas já era considerada inaceitável durante o processo de Redemocratização do país, que estava em pleno andamento entre 1984/1986.

E com a nova Constituição, que passou a vigorar em Outubro de 1988, toda e qualquer forma de censura prévia passou a ser proibida no Brasil, o que resultou na liberação de 'Je Vous Salue, Marie' para exibição, mas daí toda a celeuma envolvendo filme já havia se encerrado.

'Os Evangelhos à Luz da Psicanálise', de Françoise Dolto, foi o ponto de partida para que Godard criasse 'Je Vous Salue, Marie'.

Bem, o tipo de discurso usado para censurar o filme pode até convencer algumas pessoas que nunca assistiram ao mesmo, mas para aqueles que o viram os argumentos usados como pretexto para atacar ao filme, eles revelam-se totalmente frágeis e inconsistentes, pois embora tenhamos cenas de nudez, não há uma única cena de sexo no filme. 

E em nenhum momento do filme a Virgem Maria é ofendida e desrespeitada. 

Aliás, Godard sequer chega a contestar a própria ideia da concepção virginal de Jesus, pois o filme não foi feito para isso e o mesmo está inserido em um contexto mais amplo, no qual temas de caráter metafísico e espiritual estavam presentes na obra de Godard. 

Estes novos temas refletiam as preocupações de Godard com os mesmos e isso acontecia desde o "Sauve qui peut (la vie)", de 1980, que marcou o retorno de Godard à indústria do cinema, da qual ele havia procurado se afastar totalmente durante o período 1968-1978.

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O governo de José Sarney (que foi presidente da ARENA, partido de sustentação da Ditadura Militar), censurou o filme de Godard devido às fortes pressões da Igreja Católica. O filme foi liberado quando a Constituição de 1988 passou a vigorar, pois a mesma proíbe a censura prévia.

A produção e a trama do filme!

O ponto de partida para a realização do filme, segundo o próprio Godard, foi um livro da psicanalista Françoise Dolto chamado 'Os Evangelhos à Luz da Psicanálise', sobre o qual ele disse o seguinte:

"... ela falou de Maria e José de uma forma que nunca tinha ouvido falar. Parecia muito cinematográfico: a história de um casal. E eu sou muito tradicional. Sempre fiz histórias de amor e histórias de casais. Foi assim que cheguei à história de 'Deus e sua filha".

No filme, Marie é interpretada pela belíssima atriz Myriem Roussel, nascida no Marrocos, que tinha 22 anos na época das filmagens e que já havia trabalhado com Godard em 'Passion' (1982) e em 'Prenom: Carmen' (1983).

Myriem Roussel também trabalhou com Godard em "Petites Notes à propos du film "Je Vous Salue, Marie" (1983), um curta metragem de 20 minutos que mostra Godard preparando Myriem Roussel para atuar no filme, bem como também é uma produção feita para ajudar o cineasta a compreender sobre o que seria o longa metragem.

"Lamentazione sul Cristo Morto" (Lamentação sobre o Cristo Morto) é uma pintura do renascentista Andrea Mantegna, tendo sido pintada entre 1475-1478. Ela serviu de inspiração para Godard criar cenas em que vemos Marie sofrendo. Godard foi pintor antes de se tornar cineasta e possuía um vasto conhecimento sobre essa forma de Arte, que exerceu uma grande influência sobre a sua obra.

Logo, Myriem era um jovem e inexperiente atriz, mas que foi preparada por Godard durante três anos (1982-1984) para interpretar Marie. Sobre a sua preparação para o filme, durante este período, Myriem declarou o seguinte:

"Trabalhamos com vídeo. Godard me obrigou a escrever um diário de pensamentos, não com escrita regular, mas com profundidade. Eu não tinha educação religiosa, então tive que estudar a Bíblia. Assisti ao filme de Pasolini, 'O Evangelho Segundo São Mateus', e também 'A Paixão de Joana D'Arc', de Carl Dreyer. Godard ama esse filme, e eu entendo porque ele o ama. E eu tive que aprender basquete. Godard queria muito fazer uma cena de basquete."

Além disso, durante o período 1982-1984, Myriem também fez curso de teatro e leu o livro de Françoise Dolto, que foi o ponto de partida que Godard usou para fazer o filme. 

Nos anos que antecederam às filmagens de 'Je Vous Salue, Marie', Godard também fez filmagens de Myriem no apartamento desta, mostrando a rotina dela, bem como lhe escreveu muitas cartas e também fez um dossiê de imagens e texto em forma de colagem que enviou para ela. Tudo isso fez com que Myriem Roussel se sentisse 'inundada de informações e afeto e nutrida como um bebê".

Godard e Myriem Roussel na época de 'Je Vous Salue, Marie' (1984). Myriem Roussel disse que ela e Godard planejaram 'Je Vous Salue, Marie' por três anos.

O ator que interpretou Joseph, chamado Thierry Rode, também jovem e era inexperiente e nunca tinha atuado em qualquer filme. Mas isso era algo positivo para Godard, que não gostava de atores que já tivessem desenvolvido uma técnica pessoal e teatral de atuação. Ele sempre tinha conflitos com atores e atrizes em função disso.

E foi por isso ele fez o possível para que Myriem Roussel, que já tinha mais experiência de atuação, não demonstrasse isso no filme. Ela disse, durante as filmagens, que Godard a buscava diariamente de carro, em Nyon, onde ela estava morando. Ela disse que o cineasta procurava colocá-la no estado de espírito para a cena que iriam filmar, procurando que ela atuasse como se fosse a primeira vez.

As filmagens foram feitas em Nyon (próxima de Genebra), entre janeiro e junho de 1984 e, tal como afirmou Myriem Roussel, em várias oportunidades, Godard deixava de filmar porque não conseguia o enquadramento que desejava, mesmo com os atores já tendo ensaiado a cena e decorado as sua falas.

Assim, as filmagens acabaram durando bastante tempo, o que representava um claro contraste com a maneira de filmar de Godard da fase Nouvelle Vague (1959-1967), quando as filmagens duravam, no máximo, 40 dias (em dias úteis elas chegavam a no máximo 25 dias). Nesta nova fase da sua carreira as filmagens duram muito mais tempo do que antigamente, durando vários meses.

Joseph é um motorista de táxi e que tem Juliette como sua amante. Ela diz que 'todas as mulheres querem algo único no mundo' e cobra dele que tome uma decisão quanto a um possível casamento, pois sabe que ele tem um relacionamento sério com Marie, que é virgem. Juliette Binoche tinha apenas 20 anos quando trabalhou no filme de Godard e, antes, trabalhava como empacotadora em uma loja de móveis. Depois do filme a sua carreira de atriz deslanchou.
 

As cenas de nudez estão inseridas na trama do filme, que mostra uma jovem Marie angustiada, sofrendo com o que foi exigido, por Deus, ou seja, de que ela permaneça casta e pura para sempre: 'Maria, seja pura, seja dura, siga o Teu caminho', lhe diz a menina anjo no momento da Anunciação que acompanha o anjo Gabriel.

O grande problema é que tais exigências revelam-se impossíveis de serem cumpridas por Marie, seja em função dela ser obrigada a reprimir os seus desejos e necessidades, puramente humanos, bem como pelo fato de que a humanidade, no mundo moderno, se afastou do mundo espiritual, desaprendendo a viver em conformidade com o mesmo.

Assim, embora o filme gire em torno da concepção milagrosa de Jesus pela jovem Marie, o tema principal do filme é o conflito que existe entre as necessidades e os desejos do Corpo e as necessidades e desejos do Espírito.

Obs1: O nome Miriam é uma variante de Maria, sendo derivado do hebraico Myriam. Desconheço se a escolha de Myriem, por parte de Godard, teve alguma relação com o nome da atriz. Provavelmente não, pois ela já havia trabalhado com Godard antes, como já comentei. Mas que foi muita coincidência, isso foi.

Maria: 'Seja pura, seja dura, e siga o Teu caminho'!

Marie é uma jovem estudante, de 18 anos, que joga basquete e se pergunta se algo importante iria acontecer em sua vida, intuindo a grande mudança pela qual estava prestes a passar.

Como eu já afirmei, os conflitos entre as necessidades e desejos do Corpo e do Espírito é que são, de fato, o tema principal deste belo, espiritual e poético filme de Godard.

Além disso, Godard também mostra que as mulheres possuem uma natureza misteriosa e que é marcada por uma forte espiritualidade e que tais características estão ausentes nos homens.

Não é à toa, portanto, que logo no começo do filme vemos Juliette (interpretada por Juliette Binoche), que é amante de Joseph, afirmar que 'Todas as mulheres querem algo único no mundo'. E logo depois vemos a jovem Marie, em uma partida de basquete, se questionando 'se algo importante aconteceria na minha vida'?

As duas personagens femininas que disputam o amor de Joseph o fazem de maneira completamente diferente, pois enquanto a bela Marie é virgem e sequer permite que Joseph a beije, a outra bela jovem, Juliette, tem uma vida mais liberal no aspecto comportamental e chega a convidar Joseph para que vá até a sua casa, deixando claro que deseja amá-lo também fisicamente. 

Assim, existe uma Dualidade em torno da figura de Joseph, que é amado por duas mulheres completamente diferentes. 

Aliás, essa é uma característica dos filmes de Godard, onde as cenas dialogam entre si, o que também acontece com os seus filmes. Isso explica porque, em vários momentos do filme, uma frase começa em uma cena e termina na cena subsequente, e porque uma mesma frase aparece em vários filmes de Godard, sendo que algumas vezes temos algumas pequenas mudanças nas mesmas.

O anjo Gabriel e a menina anjo que o acompanha chegam à Terra de avião. Neste momento, Marie se encontra em sua casa e olha para cima quando ouve o barulho do avião, intuindo que o mesmo teria alguma conexão com ela. E na cena temos a execução de um trecho do 'Concerto para Violoncelo', de Dvorak.

Portanto, em 'Je Vous Salue, Marie', Godard mostra a mulher como um ser único, misterioso, intuitivo, muito diferente dos homens, e que são dotadas de um poder de, até, adivinhar o que poderá vir a acontecer em sua vida, pois não muito tempo depois de Juliette ter dito a sua frase e de Marie se fazer esta pergunta, a própria Marie descobrirá que está grávida.

Isso acontece embora Marie nunca tenha tido relação sexual com ninguém, sendo ainda virgem. Portanto, o Pai da criança é Deus. Mas, a partir do momento em que descobre que está grávida por vontade divina, Marie mergulha em um conflito interior, passando por um momento de dúvida, no qual se questiona se ela estaria preparada para viver conforme os desejos e vontades divinos.

Muito bonita, e maravilhosamente construída por Godard, é a cena em que Marie descobre a respeito da sua milagrosa e, inicialmente, incompreensível gravidez.

Primeiro o anjo Gabriel lhe diz 'É você, Marie!', o que a leva a olhar para baixo, em sinal de submissão e de obediência a Deus. Marie ainda não sabe o que significa essa afirmação, mas ela intui que é algo muito importante que irá acontecer em sua vida.

Depois, Godard mostra a imagem de um semáforo mudando de cor e uma Lua Minguante. Esta simboliza o começo de um novo ciclo, a respeito do qual não há nada para se temer e, durante esse recomeço, a pessoa passa por um processo de aprendizado, que afetará o seu corpo e a sua alma.

Então, a maneira como esta bela cena foi construída antecipa o que acontecerá com Marie.

No filme, o Sol simboliza Deus, tal como a Lua representa a feminilidade e a fecundidade.

A presença de um semáforo, que muda de cor, do amarelo para o vermelho, pode ser interpretado como uma referência às mudanças e aos conflitos pelos quais Marie irá passar em sua vida a partir deste momento.

Esta cena também pode se referir à ideia da Dualidade entre Corpo X Espírito que é, de fato, o tema principal de 'Je Vous Salue, Marie'. Aliás, quando o semáforo e a Lua Minguante são exibidos a menina anjo repete a afirmação do anjo Gabriel e diz 'É você, Marie!', como que reforçando a mensagem divina.

Logo depois, Marie olha para cima e pergunta novamente, para Deus, 'O que Você quer?' e o anjo Gabriel diz 'É você, senhorita!', deixando claro que ela havia sido escolhida por Deus para algo muito importante, embora ela ainda não saiba do que se trata.

Enquanto isso, Joseph fica dentro do seu táxi (a cena se passa em um posto de gasolina que pertence ao pai de Marie), sem poder sair, pois naquele momento ele não tem papel algum para exercer. Sua função é esperar, adotando uma postura de passividade e conformismo.

E quando Marie olha para o Céu e pergunta 'O que Você quer?', fica claro que a questão é diretamente dirigida para Deus, pois ela percebe que é Ele quem está conversando com ela. Os anjos apenas dizem aquilo que lhes foi determinado por Deus.

O anjo Gabriel e a menina anjo entram no táxi e pedem que Joseph os leve até o posto de gasolina que pertence ao pai de Marie. Ele resiste, mas os US$ 500 que recebe de Gabriel o convencem a fazer a viagem, pois ele tem a ambição, tipicamente humana, de desfrutar de boas condições materiais de vida. Gabriel é um anjo moderno, que desfere uns tapas em Joseph e que sabe explorar as suas fraquezas.

E o anjo Gabriel lhe comunica que ela terá um filho, deixando claro que isso aconteceu por vontade de Deus, ao que ela responde que nunca teve relação sexual com ninguém, mostrando que ela ainda não entendeu, ou recusa-se a entender, a mensagem que está sendo transmitida pelos anjos.

O anjo Gabriel também deixa claro que Joseph nunca poderia ser o pai da criança, pois a mesma terá origem divina. Enquanto isso, Joseph pergunta a Marie quem são aquelas pessoas, entendendo menos ainda do que Maria o significado daquela conversa que lhe deve parecer coisa de malucos.

Marie também pergunta de quem ela terá o filho e o anjo Gabriel fala que ela não deve bancar a inocente, como que dizendo que ela já sabe qual é a resposta, embora ela se recuse a acreditar. E a menina anjo diz para Marie 'Seja pura, seja dura. E siga o Teu caminho', ou seja, que ela deverá obedecer a Deus e a seguir o caminho determinado por Ele.

Assim, Deus determina que, para que possa gerar a criança, Jesus, o Filho de Deus, Marie não poderá ter relações sexuais e nem qualquer tipo de contato ou proximidade física com ninguém (nem beijar ela poderá), nem mesmo com José, com quem ela deseja se casar, o que fará com que ela sofra intensamente.

Marie até tentará fazer a vontade de Deus e a viver de forma casta, pura, tal como havia sido determinado pelo Todo Poderoso, mas isso se revelará impossível, porque irá exigir dela que ela reprima inteiramente os seus desejos e necessidades humanas, incluindo aqueles de se relacionar amorosa e sexualmente com os outros (com José, em especial), bem como isso também a obrigará a se isolar das pessoas, caindo na mais completa solidão.

Neste momento do filme, o anjo Gabriel fuma e avisa Marie que ela gerar o Filho de Deus. Godard trouxe a história da concepção virginal de Jesus para o mundo moderno, mas sem contestar tal ideia. Muitos católicos não perceberam que em nenhum momento do filme o cineasta discutiu a natureza da concepção virginal e, na verdade, acabou corroborando a mesma.

Essa vida casta, de freira, de alguém que se 'casa com Deus', irá se revelar simplesmente impossível para Marie, que possui desejos e necessidades semelhantes às de muitas outras mulheres. E é justamente o resultado desse tipo de relacionamento, entre uma mulher humana e Deus, é que Godard irá mostrar, com brilhantismo e genialidade, neste belíssimo filme.

Obs2: Godard trabalhou novamente esse tema em outro belo filme, que foi 'Helas Pour Moi' (Infelizmente Para Mim; 1993), quando adaptou, e também trouxe para o mundo moderno, a história de Zeus e Alcmena, quando o Deus grego assumiu a mesma aparência de Anfitrião, marido de Alcmena, para se relacionar com a mesma. Desta relação nasceu o semideus Hércules.

De certa maneira, 'Helas Pour Moi' (1993) complementa o que vimos em 'Je Vous Salue, Marie' (1985), pois ele também mostra que a humanidade não sabe mais como se relacionar com o mundo espiritual. As preocupações e temas espirituais estão presentes em vários dos filmes que Godard fez nos anos 1980 e 1990.

Logo, a história da concepção virginal de Jesus e da gravidez de Maria é mostrada como parte dos conflitos que ocorrem entre as necessidades do Corpo e as do Espírito.

Além disso, o fato é que a gravidez milagrosa de Marie acaba sendo usada pelo cineasta francês para mostrar que, na verdade, a humanidade se afastou do mundo Espiritual e que a mesma não é mais capaz de viver com base em uma relação de intimidade, de união, com o mesmo, tal como acontecia na Antiguidade.

Quando o anjo Gabriel lhe diz 'É você, Marie!', ela abaixa a cabeça, em sinal de submissão e obediência. Embora ainda não soubesse do que se tratava, ela intuía que era algo de grande importância. No filme, Godard mostra que as mulheres tem a capacidade de intuir e, até, de adivinhar o que irá acontecer. Joseph fica dentro do carro, apenas observando o que ocorre.

Assim, em função disso, Godard mostra que desaprendemos a viver desta maneira, em contato permanente com o mundo espiritual, e este é um dos fatores que provoca tanto sofrimento em Marie, pois ela é uma pessoa moderna.

Portanto, o que Godard mostra é que Marie, bem como a humanidade, não está preparada para viver uma vida inteira de forma casta, sendo 'pura e dura', priorizando a sua evolução espiritual, tal como lhe disse que fizesse a menina anjo, o que permitiria reproduzir, na Terra, uma ordem de origem e natureza divinas.

E Godard também deixa claro que os seres humanos possuem desejos e necessidades que precisam ser satisfeitos, incluindo os de natureza amorosos, físicos e sexuais, e que não é possível se livrar dos mesmos.

Qualquer tentativa neste sentido, diz Godard, estará fadada ao fracasso, pois os desejos humanos acabarão se impondo sobre os aspectos espirituais da nossa existência.

Desta maneira, é evidente que Marie não tem como atender à vontade divina por muito tempo (a não ser durante o período da gravidez e no início da vida do Menino Jesus). E, com isso, no final do filme, ela irá voltar a se tornar uma mulher como as outras, que passa batom, se veste de forma elegante, usa maquiagem, calça sapatos de saltos altos e arruma o cabelo de forma a ficar atraente e bonita.

Desta maneira, para Godard, o Corpo venceu. O Espírito perdeu. E assim a humanidade perdeu a oportunidade de viver em um regime de comunhão espiritual com Deus.

A trama do filme!

Marie olha para o Céu e pergunta, para Deus, 'O que Você quer?'. Marie, angustiada, ainda desconhecia quais eram os planos Divinos para ela.

Este é um dos mais belos e espirituais filmes da longa, inovadora e genial carreira cinematográfica de Jean-Luc Godard.

Quando foi lançado, em 1985, este espiritual e poético filme de Godard acabou gerando uma polêmica imensa, pois ele trazia a história da concepção de Jesus para o mundo contemporâneo e ainda tratava Maria, a mãe de Jesus, como se fosse uma mulher 'normal', com desejos, angústias e temores que estão presentes em muitas mulheres atuais.

E é claro que Godard, em função disso, acaba por construir a história com base em valores e costumes contemporâneos, do mundo moderno, e não com base naqueles que predominavam na Antiguidade. 

Com isso, ele irá promover uma série de mudanças nas circunstâncias em que a história se desenvolve, como o fato de que ela transcorre em uma cidade e não na área rural e que os personagens são pessoas comuns.

Aliás, neste último aspecto não tivemos maiores mudanças, pois José era um carpinteiro. Logo, Maria e Jesus também eram membros de, pelo que se sabe, de famílias simples, de trabalhadores, sendo moradores de uma pequena aldeia (Nazaré) da Galileia.

Assim, Joseph é um motorista de táxi que, embora seja apaixonado por Marie, acaba tendo um caso com outra mulher, a bela Juliette (interpretada por uma Juliette Binoche ainda em início de carreira), que o pressiona para que ele abandone Maria e, assim, possam se casar. Marie recusa-se a ter relações íntimas com José, o que o leva a ter um romance com Juliette, que se relaciona normalmente com ele.

No filme de Godard, Joseph também foi obrigado a abandonar a escola quando ainda tinha 12 anos e, além de dirigir um táxi (se o filme fosse feito agora, em 2020, Joseph seria motorista de Uber...) ele também faz alguns 'bicos' (serviços) para aumentar a sua renda mensal, como o conserto de barcos que pertencem a ricos. 

E é claro que Godard não poderia deixar de mostrar que Joseph, é explorado e desprezado pelos privilegiados, que sequer se preocupam em aparecer para conversar com ele sobre os serviços que fez no barco. Assim, o velho espírito esquerdista do cineasta também tem uma pequena aparição no filme.

O professor de ciências (Johannes) e a aluna (Eva) conversam sobre a origem da vida que, para ele, veio do Espaço e foi resultado da ação de uma Inteligência muito evoluída e que planejou e organizou tudo. Sua ideia de que a vida surgiu no espaço e chegou à Terra é baseada na teoria do cientista inglês Fred Hoyle, sendo chamada de Panspermia.

Enquanto isso, Marie é uma bela jovem de 18 anos que estuda, joga basquete e ajuda o pai trabalhando no posto de gasolina do mesmo. Ela também é apaixonada por Joseph, com quem namora há dois anos, mas não permite que ele ultrapasse certos limites em seu relacionamento, recusando-se a ter relações sexuais com o mesmo.

Ele aceita essa condição imposta por Marie, mas fica claro que ele acaba por satisfazer aos seus desejos físicos e sexuais os seus desejos com Juliette, embora isso não seja mostrado, mas que é claramente sugerido, pois a bonita Juliette (interpretada por uma jovem Juliette Binoche, em início de carreira), o convida frequentemente para que Joseph vá até a sua casa.

Assim, Godard mostra que a vida no mundo moderno é incompatível com as exigências de castidade feita por Deus (ou pela Religião) e que isso vale não apenas para as mulheres, como também para os homens.

Desta maneira, Marie permanecia Virgem quando é avisada pelo anjo Gabriel e por sua jovem e esperta acompanhante de que teria um filho, o que a deixa perplexa, pois ela nunca havia tido uma relação sexual em sua vida, embora já contasse com 18 anos, o que não é comum no mundo moderno, onde os jovens começam a ter relações sexuais ainda cedo.

O anjo Gabriel vem à Terra acompanhado de uma esperta e inteligente adolescente, uma menina anjo. Aliás, o curioso é que eles chegam de avião, afinal a história se desenvolve em um ambiente moderno, e quando o mesmo passou por sobre a casa de Marie esta olhou para o alto, como que intuindo que o tal avião tinha relação com ela.

Joseph tenta beijar Marie, mas esta vira o rosto, pois ela assumiu, com Deus, o compromisso de evitar qualquer contato físico com outras pessoas, incluindo Joseph, que é o seu noivo.

A menina anjo é quem se encarrega de ficar avisando o meio que atrapalhado e nervoso anjo sobre os erros que o mesmo comete, como na cena em que ele fala sobre o fato de que a Espanha ainda estaria sendo governada pelos Bourbons e que o país precisaria se livrar dos mesmos.

Obs3: De fato, a Espanha ainda é uma Monarquia, mas Constitucional, e quem governa é o Primeiro Ministro, que é eleito pelo Parlamento e cujos integrantes são eleitos pela população. A família real é da dinastia Bourbon, que está no poder desde 1700, mas o Rei é mais uma figura simbólica, representando o Estado Nacional, mas não é ele quem governa.

Aliás, o tal anjo Gabriel que vemos no filme também é bastante moderno e usa de uma certa agressividade com Joseph, um motorista de táxi que se recusa a acreditar que Marie tenha engravidado sem ter se relacionado sexualmente com outro homem.

Isso fará com que o anjo Gabriel o esbofeteie e diga que Joseph é um idiota em várias oportunidades. Em uma das cenas, a menina anjo faz a leitura dos defeitos de Joseph, que ouve tudo, mas que se recusa a acreditar que Marie nunca lhe traiu.

Somente depois de levar várias bofetadas e safanões, ouvir algumas broncas e ver algumas caras feias do Anjo e da garota, e após ele mesmo constatar, com a permissão de Marie, de que ela nunca havia se relacionado com ninguém, é que o taxista Joseph passará a acreditar que a namorada, com quem ele pretende se casar, é realmente virgem.

A Antiguidade e os Deuses!

O professor Johannes e seus alunos retornam do passeio à beira do lago. Godard explora no filme a conexão entre o ser humano e a natureza, o que funciona como uma representação da ligação da humanidade com Deus e com o mundo Espiritual, algo que ele já estava mostrando desde 'Sauve qui peut (la vie)', de 1980. Essa foi uma das principais mudanças que Godard promoveu em sua obra a partir da década de 1980.

Mas, no mundo moderno as pessoas tem muito mais dificuldades para acreditar em milagres do que na Antiguidade Greco-Romana, na qual Jesus Cristo nasceu, viveu e foi crucificado, e que era uma época na qual as relações entre Deuses e Humanos eram encaradas com naturalidade e os seres humanos eram vistos como sendo meras marionetes das divindades.

Logo, quando ocorriam guerras (como a de Troia, por exemplo), as pessoas daquela época não pensavam que eram os soldados gregos que guerreavam contra os soldados troianos, mas os Deuses gregos que estavam guerreando contra os Deuses de Troia. E a vitória ou a derrota eram vistas, é claro, como sendo dos Deuses.

Desta maneira, Maria acaba sofrendo muito porque ninguém acredita nela, ou seja, que a sua gravidez teria sido um milagre fruto de intervenção divina e que ela não teria, portanto, tido qualquer relação sexual, pois a mentalidade atual, de base racional e científica, entra em total conflito com essa visão de um Deus interferindo em nossas vidas a fim de fazer a sua vontade (gerar um filho) e de mudar o nosso destino.

Assim, Marie vive dizendo, para todos, que nunca esteve com nenhuma pessoa, ou seja, que ainda é virgem, mas no mundo que foi construído com base na Razão e na Ciência, e não com base na Fé e no contato permanente com o mundo Espiritual, fica virtualmente impossível para que ela consiga convencer aos demais a respeito da sua virgindade, apesar da sua gravidez.

Joseph não acredita que Marie engravidou devido à intervenção Divina e exige que ela diga com quem ela se relacionou e como ela não diz, porque não há o que dizer, ela sofre muito em função da descrença de Joseph em sua palavra. Mas ela assumiu um compromisso com Deus e irá manter o mesmo.

No mundo Antigo, os homens conviviam com as forças sobrenaturais de forma rotineira e os mundos Espiritual e Material não estavam separados. Afinal, os Deuses moravam no Olimpo e se relacionavam diretamente com os humanos, incluindo até mesmo relações sexuais com as mulheres e gerando filhos comuns). 

Logo, na Antiguidade, não deve ter sido difícil para que as pessoas acreditassem na concepção milagrosa, de origem divina, de Jesus, mas no mundo moderno a história é completamente diferente. Até porque, na Antiguidade quase todas as pessoas eram politeístas, acreditando na existência de inúmeros Deuses, sendo que o único povo monoteísta era o hebreu, que seguia o Judaísmo.

E era comum também que algumas pessoas que eram reconhecidas como possuindo um elevado patamar de conhecimento e de sabedoria passassem a ser consideradas como sendo Deuses ou filhos destes.

Na Antiguidade também existia uma hierarquia entre os Deuses, indo dos mais importantes e poderosos aos de menor importância. Assim, até mesmo imperadores romanos passaram a ser considerados Deuses, embora fossem, é claro, de uma categoria bem inferior quando eram comparados com os (as) principais (Júpiter, Marte, Vênus, etc). 

A história da concepção de Jesus no mundo moderno!

Marie, depois que foi abandonada por Joseph, vai até o ginecologista, para que o mesmo a examine e comprove que ela está grávida e que, mesmo assim, ela se mantém virgem. Ela quer provar, para Joseph, que a sua gravidez é milagrosa.

Portanto, a mentalidade das pessoas no mundo moderno é totalmente diferente daquela que existia na Antiguidade e a crença em milagres divinos quase que desapareceu, o que leva Marie a sofrer intensamente, pois ela percebe que se nem o seu noivo e tampouco o seu médico podem acreditar no que ela diz, imagine os outros...

Até mesmo o médico, que sempre cuidou dela, desde criança, e que fez o parto de Marie, inicialmente não acredita em sua história e, assim, ela aceita se submeter a um exame, por parte do mesmo, a fim de comprovar o fato de que ainda permanecia virgem, mesmo estando grávida. E o próprio médico pôde comprovar o fato, o que o deixou espantado e perplexo, é claro.

E nesta cena, Marie diz uma frase que mostra o quanto aquela gravidez a está fazendo sofrer, afirmando que 'Ninguém me acaricia', ou seja, que ninguém compreende o que aconteceu com ela e como ela está se sentindo em função disso. E neste momento o médico lhe faz um carinho, compreendendo que ela está sofrendo muito com toda a situação.

Nesta sequência, Maria também pergunta para o médico se é a Alma que possui um Corpo, ao que o médico, um cientista, retruca, afirmando que o Corpo é que possui uma Alma.

Eva mordendo a maçã. Nesta sequência, Godard se utiliza de vários símbolos bíblicos e a sala de estar em que Eva se encontra, e na qual depois ela fica nua, possui várias plantas. Assim, é como se o local fosse uma versão do Jardim do Éden. Logo depois ela se relaciona sexualmente com Johannes, mas a cena não é mostrada. Aliás, não há uma única cena de ato sexual em nenhuma produção de Godard. Ele nunca filmou esse tipo de cena.       

Os conflitos entre as necessidades do Corpo e as do Espírito são o tema central deste belo filme de Godard.

Assim, mesmo assim, com Marie insistindo em dizer que nunca teve relações sexuais com ninguém, as pessoas recusam-se a acreditar nela, o que a levará para cair em uma situação de isolamento, de solidão, sem contato próximos com as pessoas.

Por isso é que, em um determinado momento, Marie diz o seguinte: "Já faz muito tempo desde que eu tive uma conversa normal. No entanto, a Natureza prevalece. Eu quero conversar, igual a todos. Porque, embora eu o esconda, eu sofro, igual a todos. Até um pouco mais".

E quando ela diz que 'a Natureza prevalece', ou seja, que a vontade divina acaba se impondo e Deus acaba por possuí-la espiritualmente, então vemos imagens do Sol, da Lua, de uma lagoa, de plantações, de animais, o vento.

Essas são manifestação da vida criada por Deus, com quem elas estão conectadas. E como ela está sofrendo, também vemos nuvens escuras.

Logo, o que Godard mostra é que Marie paga um alto preço por ter concordado em fazer a vontade divina, se sacrificando para cumprir com a missão que lhe foi conferida. E com isso ela acaba se revoltando com a sua situação, pois entende que Deus se aproveita do sofrimento dela (nesta parte Godard usa um texto de Antonin Artaud).

Afinal, ela é obrigada a repelir até ao seu noivo, Joseph, recusando-se a beija-lo, bem como a permitir que ele a tocasse. E apenas depois que levou várias broncas e tapas do anjo Gabriel, inclusive nesta cena, é que Joseph irá aceitar o fato de que deve respeitar a castidade de Marie, que deve se manter pura por ordem divina.

Juliette Binoche é amante de Joseph e não se conforma com o fato de que ele a prefere, apesar de Marie sempre ter se recusado a ter relações com ele, o que não acontecia entre ela e o noivo de Marie. Godard modernizou a história, mostrando jovens que se apaixonam, mas que se envolvem com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

Assim, em uma bela cena, quando Joseph tenta tocar no corpo dela, Marie grita 'Não' várias vezes. Somente depois de ser repelido várias vezes, é que Joseph compreende que não pode tocar nela ('Eu te amo' é isso, ele pergunta), pois Marie se comprometeu com Deus a se manter casta. E daí ela diz 'Sim'.

Neste momento, quando Joseph finalmente descobre como é que ele deve agir em relação à Marie, sem tocar no corpo sagrado dela (pois o corpo de Marie, agora, pertence a Deus) ouvimos sons de alguns sinos.

Depois, veremos Marie fazer várias reflexões a respeito da sua conexão e relação especial que desfruta com Deus. Daí, em um certo momento, ela diz que 'a terra e o sexo estão dentro de nós'.

Entendo que essa fala de Marie representa uma referência à criação de Adão e Eva. Oras, o nome Adão significa 'terra vermelha', representando a conexão do ser humano com a natureza. Enquanto isso, o nome Eva significa 'Vida'.

Fazendo a ligação entre os 2 nomes, nós podemos concluir que da terra surgiu a vida, o que é simbolizado pela afirmação bíblica de que Eva foi criada a partir da 'costela' de Adão.

A ciência, a origem da vida e a Dualidade!

Marie é uma mulher que tem os mesmos desejos e necessidades de outras mulheres, mas é obrigada a reprimi-los devido ao compromisso que assumiu com Deus de se manter casta. Por isso ela vai até a loja e desiste de comprar o batom. Este reaparecerá no final do filme, mas em outro contexto.

Além da história envolvendo Marie e a concepção milagrosa de Jesus, no filme também temos uma outra história, paralela, que é sobre um professor de Ciências que namora uma das suas jovens alunas e que se chama Eva.

Obs4: O filme tem inúmeras referências bíblicas, incluindo os nomes de vários outros personagens, como Eva e Esther (assistente do médico). E no final, quando Jesus já havia nascido nós vemos um jumento (foi sobre um deles que Cristo entrou em Jerusalém) e várias duplas de animais, o que é uma referência à Arca de Noé.

Este professor é de origem tchecoslovaca e se encontra exilado na França, mas a sua esposa e o filho permaneceram em seu país de origem.

Para este professor, a origem da vida está no Espaço (é a chamada Panspermia), de onde seriam originários os elementos necessários para que a vida tivesse surgido aqui na Terra. Ele chega a dizer aos seus alunos que se eles quiserem ver um E.T. então basta se olhar no espelho.

Ele também diz que uma Inteligência, que lutou para viver em um Universo impiedoso, é quem estaria por trás de todo o trabalho de criação e da origem da Vida. Neste momento vemos o Sol que, no filme, simboliza Deus, para o qual Eva olha no momento em que ele apresenta a sua teoria.

Nesta sequência vemos Marie dizendo a Joseph que ela não pode ser tocada por ele, pois 'A mão de Deus está sobre mim e você não pode interferir'.

O professor, no entanto, se indaga se esta Inteligência poderia ser Deus ou ainda se, talvez, o mesmo poderia ser um Computador dotado de uma inteligência ou mesmo de humanos do futuro (milhões de anos à nossa frente), que seriam possuidores de conhecimentos muito mais avançados do que os dos atuais.

Ele também diz que os humanos do futuro, que estariam vivendo milhões de anos à nossa frente no tempo e que seriam muito mais avançados do que nós, poderiam ter nos enviado informações codificadas a respeito de tudo isso. Ele diz 'Procure e você encontrará mais do que sonha'.

Assim, além da concepção divina, Godard apresenta uma visão científica que poderia explicar como tudo (o Universo, a Vida) surgiu, sendo que teria sido tudo planejado e nada teria sido fruto do Acaso, o que é uma referência à Física Quântica. Mas, mesmo nesta teoria do professor de Ciências, existe a possibilidade da presença de um Deus, que seria a Inteligência por trás de tudo.

Logo, são apresentadas duas teorias a respeito da criação da Vida, que é a científica e aquela que afirma que tudo foi criado por Deus, mas em ambas a ideia de intencionalidade por parte de um ser altamente inteligente e poderoso está presente.

A ideia de Dualidade está sempre presente nos filmes de Godard, desde os anos 1960, e neste isso não é diferente. Logo, não é à toa que, em vários momentos, os personagens estão dizendo e repetindo 'Sim' e 'Não' em diferentes situações.

Até mesmo nos filmes que Godard fez durante o seu período Maoista esse princípio da Dualidade estava presente, pois neles tínhamos um conflito fundamental entre dois lados opostos, que era marcado pela luta de classes entre a Burguesia e o Proletariado.

Portanto, não seria errado dizer que, nos filmes de Godard, o conflito entre Burguesia X Proletariado, presente na sua fase Maoista (1968-1972), foi substituído por outro tipo de conflito, e de Dualidade, que se desenvolve entre Corpo X Espírito, que está presente nos filmes do chamado 'Período Tardio' (1980 em diante). Este último conflito é o conceito central deste belo 'Je Vous Salue, Marie'.

Marie é obrigada a guardar segredo da sua gravidez milagrosa, pois as pessoas não acreditam na história de que, mesmo assim, ela permaneceu virgem. Isso a obriga a se isolar, fazendo-a sofrer intensamente. Os conflitos entre as necessidades do Corpo e as do Espírito são o tema central deste belo filme de Godard.

Também temos uma bela sequência a respeito dessa questão da Dualidade quando aparece Marie mordendo uma maçã, enquanto conversa ao telefone com Joseph. E algum tempo depois nós vemos Eva mordendo uma maçã.

Como é possível interpretar essas duas sequências? Entendo que as duas mordidas na maçã também refletem a ideia de Dualidade, que é a verdadeira essência do filme (Fé X Ciência; Corpo X Espírito).

Assim, Eva morde a maçã que, na Bíblia, simboliza o conhecimento (do bem e do mal...) e que, no caso da personagem, seria o conhecimento científico, o literário e o filosófico, pois ela é uma estudante de Ciências que cita Holderlin, Heidegger e que é uma leitora de revistas científicas.

Obs5: Muitos já alertaram que a Bíblia, no Gênesis, não cita a maçã como sendo o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, mas criou-se uma tradição sobre isso e Godard faz uso da mesma no filme.

Aliás, nesta cena, Godard novamente faz referências bíblicas, ao Jardim do Éden, pois logo depois que Eva mordeu a maçã, que lhe confere acesso ao conhecimento do bem e do mal, ela aparece nua e há várias plantas próximas dela no ambiente, que é a sala de estar de sua casa. E naquela noite ela terá uma relação íntima, sexual, com o professor de Ciências ao qual ela tanto ama.

E segundo interpretações, o Jardim do Éden seria um local onde Deus e os Homens se encontravam, portanto, um local que unia os seres humanos à Deus.

Logo, uma interpretação para essa sequência é a de que Godard está dizendo que o caminho para o conhecimento e para a elevação espiritual também seria possível de ser atingido por meio de uma relação amorosa e sexual entre as pessoas.

O relacionamento de Eva e de Johannes termina depois que ele decidiu retornar para a Tchecoslováquia, onde a sua esposa está presa e ele tem uma filha. Nos anos 1980, em vários filmes, Godard fará referências e irá criticar o caráter repressivo dos regimes do bloco soviético, adotando uma postura distinta daquela da época do período maoista (1968-1972). O exilado, o dissidente, o marginal, é um personagem constante nos filmes de Godard, o que é uma maneira dele se representar em sua obra.

Já no caso de Marie a mordida na maçã teria um outro significado, representando o acesso a um outro tipo de conhecimento, que é obtido por meio de um processo de elevação espiritual, pois ela irá dar a luz a uma criança que possui origem divina, que será o Filho de Deus, tornando-se a Maria Cheia de Graça.

Logo, Maria eleva-se a um nível superior, acima das outras pessoas. Assim, em um determinado momento, ela diz o seguinte: 'Vou conhecer o verdadeiro sorriso da Alma, não do exterior, mas do interior".

E ainda durante essa sequência, na qual ainda vemos Eva nua na sala, ouvimos Marie começar a dizer o seguinte:

"Eu penso que o Espírito age sobre o Corpo, transfigura-o, esconde o véu para torna-lo mais justo do que é. Pois o que é a carne sozinha? Você pode ver e sentir apenas nojo. Você pode vê-la na sarjeta, bêbada, ou no caixão, morta. O mundo é tão cheio de carne quanto o balcão de uma mercearia é de velas no início do Inverno. Mas não até você trazer uma vela para casa e acender para lhe dar conforto".

Joseph fica desesperado porque não pode tocar no corpo de Marie, fato este que ele não consegue compreender, mas que termina por aceitar, depois de levar uns tapas do anjo Gabriel. Nesta cena, o casal olha para o Sol que, no filme, simboliza Deus, a quem Maria prometeu que permaneceria casta.

Assim, entendo que Godard está dizendo que tanto em uma relação amorosa com Deus (Marie), quanto no amor entre duas pessoas (Eva e o Professor de Ciências), é possível se atingir um plano mais elevado de conhecimento.

Porém, Godard irá mostrar no final que, na atualidade, no mundo moderno, as duas formas de completude são inviáveis e estão condenadas ao fracasso.

Outro exemplo de Dualidade que está presente no filme é que, em inúmeras oportunidades, vemos o Sol, que representa Deus e a origem da criação, e a Lua, que simboliza a fecundidade e a feminilidade, bem como as inúmeras fases da vida. Isso explica porque, em inúmeras cenas, vemos Marie relacionada à Lua, enquanto que quando há referências a Deus é o Sol que aparece.

E no final, depois que Jesus já tinha nascido e se tornado uma criança cheia de energia e inteligente, Maria percebe o quão especial foi aquele momento que viveu, mas ela não consegue abrir mão de ser uma mulher, humana, e de querer satisfazer os seus desejos.

E isso acontece porque abrir mão dos desejos humanos representaria um sofrimento que ela, Marie, não está disposta a experimentar novamente e, também, porque a humanidade se afastou muito do mundo espiritual e não sabe mais o que fazer, e nem como fazer, para seguir por esse caminho.

A ideia de Dualidade é fundamental para se compreender o filme. Nesta cena, vemos o rosto de Marie dividido entre uma parte clara e outra escura, o que reflete os sentimentos de angústia que a atingiam naquele momento em que tinha que se manter casta e precisava guardar segredo da sua gravidez.

E no fim o anjo Gabriel aparece para lhe saudar, dizendo 'Je Vous Salue, Marie' (e quando ele diz isso os sinos começam a tocar...), o que é uma forma de agradecer à Marie pelo fato dela ter se sacrificado para fazer a vontade divina. Isso a faz lembrar do quanto especial que ela foi, mesmo que isso tenha ocorrido durante um breve período, que foi o de uma gestação milagrosa.

Em função dessa lembrança é que Marie, depois, hesita por um momento em passar o batom em seus lábios, o que ela acaba fazendo, pois agora ela se tornou uma mulher como as outras e não é mais a Maria Cheia de Graça e que foi escolhida por Deus para gerar o seu Filho.

E o fato de que o relacionamento do professor de Ciências (que não tem nome) com Eva também tenha chegado ao fim, pois ele decide abandoná-la e voltar para o seu país natal, com o objetivo de reencontrar a sua família, também é uma demonstração desse fracasso dos seres humanos em se elevar espiritualmente, independente de qual seja o caminho escolhido, seja o de Maria ou o de Eva.

Portanto, o mundo em que vivemos, parece dizer Godard, não permite que possamos escolher qualquer um destes caminhos, a não ser por um breve e fugaz momento. 

Isso é comprovado pelo fato que, no filma, as duas mulheres que adotam uma postura liberal sexualmente, que são Juliette e Eva, acabam ficando sozinhas no final, enquanto Marie, que escolheu (mesmo que de forma temporária) ser casta e se submeter à vontade Divina, se casou com Joseph e teve um Filho.

A respeito destes novos e inovadores filmes que Godard realizou após a sua volta ao circuito comercial, o que ocorreu com 'Sauve qui peut (la vie)', de 1980, e continuou com 'Passion' (1982), 'Prénom Carmen' (1983) e 'Je Vous Salue, Marie' (1984), o biógrafo do cineasta, Richard Brody, escreveu o seguinte:

"Godard relacionou sua busca espiritual com a busca por uma visão de mundo derivada dos clássicos da cultura ocidental e os colocou em oposição a um modo de vida estreitamente materialista e materialístico. Ele estava filmando milagres e mistérios, e os primeiros entre eles foram os da própria arte".

'JE VOUS SALUE, MARIE' RESPEITA OS PILARES DO CATOLICISMO!

A Lua é um símbolo de feminilidade e fecundidade. Nesta cena, Marie tem Joseph ao seu lado, bem como uma esfera branca que claramente lembra a Lua, para a qual ela está olhando no Céu. Além do Sol e da Lua, temos vários outros símbolos e referências bíblicas no filme, incluindo o Jardim do Éden, o jumento, os casais de animais (Arca de Noé...), a maçã e os nomes de alguns personagens (Eva, Esther...).  

O filme de Godard não contesta e nem critica nenhum dos principais pilares do Catolicismo, incluindo a criação Divina da vida, a criação do ser humano por Deus e a concepção virginal de Jesus.

Isso foi corroborado em um texto publicado no site 'Bible Films Blog', em março de 2016, no qual o autor (Matt Page) de um texto sobre o filme de Godard, afirma o seguinte: "No entanto, sempre me impressiona o fato deste filme ser, TEOLOGICAMENTE falando, muito conservador". 

Obs6: A ênfase, colocando tudo em maiúscula, na palavra 'teologicamente' é minha.

Assim, no filme, vemos que uma das hipóteses para o surgimento da vida inclui uma visão científica, que é a da Panspermia, que é defendida por Johannes, o professor de ciências (baseada nas ideias do astrônomo britânico Fred Hoyle).

No filme essa visão não exclui a existência de uma Inteligência prévia que seria responsável por espalhar, pelo Universo, os elementos necessários à propagação da vida.

A outra visão que temos no filme é a da origem divina da vida. Desta maneira, Godard mostra que Deus é o criador de tudo e que está em tudo: no ser humano, na Natureza, nos astros.

Além disso, a ideia de que o ser humano foi criado por Deus também está presente no filme, em vários momentos, como na cena da relação sexual (sugerida, mas não exibida) entre Eva e Johannes, onde a sala de estar da casa dela fica parecida com uma versão em miniatura do Jardim do Éden: maçã, plantas, nudez sem pecado, homem e mulher se amando.

Marie, o menino Jesus e Joseph na piscina. O significado da água varia, sendo considerada como fonte da vida, de transformação e de purificação. Durante a gestação, Marie teve a sua vida transformada e ela adotou um comportamento casto. E o nascimento de Jesus também simboliza uma grande mudança para a humanidade, que teria se livrado dos seus pecados graças ao sacrifício de Cristo ao ser crucificado.

E após o nascimento de Jesus, nós vemos animais em duplas, remetendo à Arca de Noé. Também temos vários personagens com nomes bíblicos (Marie, Joseph, Eva, Esther).

E a concepção virginal de Jesus é preservada e defendida no filme, pois Marie é uma jovem virgem que engravida milagrosamente e que gera o filho de Deus.

Então, em função de tudo isso, pode-se dizer que 'Je Vous Salue, Marie' é um filme que respeita inteiramente os pilares do Catolicismo. E isso acontece mesmo quando se sabe que Godard era protestante Calvinista (o mesmo vale para as famílias de seu pai e da sua mãe, os Godards e os Monods).

Assim, aqueles protestos que promoveram contra o filme, na época do seu lançamento, foram absurdos. Aquelas pessoas sequer assistiram ao filme e protestaram contra algo que não conheciam.

A Concepção Virginal de Jesus em seus diferentes momentos.

O anjo Gabriel, com uma aparência mais 'limpa', pois já cumpriu a sua missão de convencer Joseph de que a noiva deste não o havia traído, saúda Marie, dizendo 'Je Vous Salue, Marie!'. Ele faz isso como forma de agradecimento pelo sacrifício que ela fez ao abrir mão de seus desejos a fim de atender às ordens divinas. E logo depois dele dizer isso os sinos começam a tocar...

O pequeno menino Jesus do filme é uma criança moderna, agitada e desobediente, como são todas as crianças modernas. Em uma cena o menino Jesus diz 'Eu sou o que é'. 

Oras, na Bíblia é Deus quem diz isso para Moisés. Mas no filme Godard atribui essas palavras ao menino Jesus, talvez para dar ênfase à origem divina do mesmo.

No filme, a concepção virginal de Jesus por Marie passa por 3 momentos, que são:

1) Anunciação e Aceitação!

É o momento inicial, em que Marie aceita levar adiante a missão que Deus lhe deu, ou seja, a de gerar o filho Dele, quando ela olhou para o Céu e perguntou 'O que VOCÊ quer?' e, logo depois, Marie abaixou a cabeça, em um sinal claro de submissão à vontade divina;

2) Êxtase Espiritual!

O momento em que Marie sente uma espécie de êxtase pelo fato de ter sido escolhida por Deus para gerar o Seu filho.

Neste momento do filme, Marie faz a seguinte reflexão:

"Mesmo assim, senti alegria em entregar meu corpo aos olhos Daquele que se tornou meu Senhor para sempre, quando olhamos para este Ser maravilhoso, porque na verdade, hoje como ontem, Ele existia, não pela sua aparência ou pelas suas ações, mas por aquela força silenciosa que Ele carregava, esse poder concentrado tão grande como uma montanha que se eleva em direção ao céu e que não pode ser medido nem descrito, mas simplesmente sentido".

Um pouco mais adiante, Marie volta a refletir sobre a sua situação:

"Deixe a alma ser corpo. Então ninguém poderá dizer que o corpo é alma, pois a alma será corpo. Faça-se em mim segundo a Tua palavra".

Devido à saudação do anjo Gabriel, Marie se lembra quando era cheia de graça e, com isso, ela fica na dúvida se deveria continuar levando uma vida normal ou se deveria retornar à situação anterior, quando era casta e pura. Nesta cena, Godard mostra essa dúvida por meio da oscilação entre o tom claro e o escuro no rosto de Marie

3) Desejos Reprimidos!

O momento em que Marie, já em estágio avançado de gravidez, deseja satisfazer os seus desejos de mulher humana, mas não pode, porque assumiu o compromisso com Deus de se manter casta ('seja pura, seja dura', disse a menina anjo no início do filme), não permitindo que ninguém toque o seu corpo, nem mesmo Joseph.

Neste momento, ela faz a seguinte reflexão:

"Deus é um vampiro que me fez sofrer nele, porque eu sofria e Ele não, e se aproveitou da minha dor. Marie é um corpo caído de uma alma. Eu sou uma alma aprisionada num corpo".

Então, 'Je Vous Salue, Marie' é um filme muito bem estruturado, organizado e os seus elementos estão integrados em um todo lógico e coerente. Percebe-se que Godard pensou em cada detalhe do filme. E a poesia e a beleza do filme são incomparáveis.

Como afirmou o autor (Matt Page), do texto do site 'Bible Films Blog' sobre o filme de Godard: "Godard só ganhou as manchetes nesta produção devido à controvérsia que se seguiu, e não por sua arte, mas as impressões digitais de um grande mestre estão por toda parte nesta peça". 

Portanto, pode-se afirmar, sem exageros, que esta é mais uma obra-prima de Godard, mas que, infelizmente, não foi devidamente compreendida. Quem sabe, um dia, isso mude.

Obs: O texto foi atualizado no dia 18/01/2024.

O belíssimo rosto renascentista de Myriem Roussel é o centro da obra. De certa maneira, todos os momentos essenciais do filme giram em torno do mesmo. Não foi à toa, portanto, que Godard a preparou por 3 anos para interpretar a Virgem Maria. Este close remete à Pietá, de Michelangelo, obra de 1499.

Informações Adicionais!

Título: Je Vous Salue, Marie (Eu Te Saúdo, Maria);

Diretor: Jean-Luc Godard;

Roteiro: Jean-Luc Godard;

Países de Produção: França, Suíça;

Ano de Produção: 1984; Duração: 79 minutos;

Fotografia: Jacques Firmann e Jean-Bernard Menoud;

Música: J.S. Bach e A. Dvorak;

Elenco: Myriem Roussel (Maria); Thierry Rode (Marie); Philippe Lacoste (Anjo Gabriel); Manon Andersen (menina anjo); Juliette Binoche (Juliette); Malachi Jara Kohan (Menino Jesus); Johan Leysen (Professor de Ciências); Anne Gautier (Eva).

Prêmios: Prêmio Interfilm (Otto Dibelius) no Festival de Berlim de 1985.

Melhor Filme da 'Cahiers du Cinéma' de 1985.

Detalhe da Pietá, de Michelangelo Buonarroti. A semelhança do rosto de Myriem Roussel com o da Pietá é notável. Não foi à toa que Godard preparou a jovem, que sequer era atriz, durante 3 anos para que pudesse interpretar a protagonista de 'Je Vous Salue, Marie'.

LINKS:

Je Vous Salue, Marie: Um filme cheio de graça:

https://www.scielo.br/j/ea/a/vwRHdqw9MCNm6PsVH9Lktkc/

Vídeo:

'Hard to Explain' (Strokes) e 'Je Vous Salue, Marie':

https://www.youtube.com/watch?v=IvRen4eiPQ4

Ave Maria (Schubert) - por Aida Garifullina:

https://www.youtube.com/watch?v=ja5hQH9USIU

Petites Notes à propos du film 'Je Vous Salue, Marie':

https://vimeo.com/205685288


Kit de imprensa do filme, que também inclui imagens do curta metragem 'O Livro de Marie', de Anne-Marie Miéville, do qual Godard gostou tanto que o incluiu junto com o seu filme.

Entrevista com Myriem Roussel (feita em 1985):

https://cinemaclassicecult.blogspot.com/2023/06/entrevista-com-myriem-roussel-por.html

Panspermia cósmica:

https://www.todamateria.com.br/panspermiacosmica/

Je Vous Salue, Marie - Um filme cheio de Graça (por Annie Goldmann):

https://www.scielo.br/j/ea/a/vwRHdqw9MCNm6PsVH9Lktkc/

O sagrado erótico em 'Je Vous Salue, Marie' de JL Godard:

https://periodicos.ufjf.br/index.php/numen/article/view/22138

'Lamentação sobre o Cristo Morto' (1475-1478), de Andrea Mantegna:

https://www.oguiademilao.com/lamentacao-sobre-o-cristo-morto-de-andrea-mantegna/

Religião e Espiritualidade na visão de Pierre de Chardin: 

https://www.diariodoamapa.com.br/articulistas/wellington-silva/religiao-e-espiritualidade-na-visao-de-pierre-chardin/

Godard foi citado em letras de quatro grandes nomes do Rock e da Música Pop brasileira, incluindo a Legião Urbana (em 'Eduardo e Mônica'), os Paralamas do Sucesso (em 'Selvagem'), Gilberto Gil (em 'Touce Pas à Mon Pote) e Skank (em 'Sam').

Trailer do filme:

https://www.youtube.com/watch?v=h1E8c6sSk_w


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